TRIBUNAL PLENO

 

 

 

 

 

 

 

CASO MOREIRA FERREIRA c. PORTUGAL (nº 2)

 

(Queixa nº 19867/12)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

ACÓRDÃO

 

 

ESTRASBURGO

 

11 de julho de 2017

 

 

 

 

 

O presente acórdão é definitivo mas pode ser objeto de revisão editorial.

 


No caso Moreira Ferreira c. Portugal (nº 2),

O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, reunido em Tribunal Pleno composto por:

 Guido Raimondi, presidente,
 Işıl Karakaş,
 Angelika Nußberger,
 Luis López Guerra,
 András Sajó,
 Mirjana Lazarova Trajkovska,
 Nona Tsotsoria,
 Vincent A. De Gaetano,
 Paulo Pinto de Albuquerque,
 Helen Keller,
 Paul Mahoney,
 Krzysztof Wojtyczek,
 Faris Vehabović,
 Egidijus Kūris,
 Jon Fridrik Kjølbro,
 Síofra O’Leary,
 Marko Bošnjak, juízes,
 e Françoise Elens-Passos, secretária adjunta,

Tendo deliberado em conferência de 1 de junho de 2016 e de 5 de abril de 2017,

Profere o seguinte acórdão, adotado nesta última data:

PROCESSO

1.  O caso teve início com uma queixa (nº 19867/12) contra a República Portuguesa submetida ao Tribunal ao abrigo do artigo 34º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (“a Convenção”) por uma cidadã portuguesa, Sra. Francelina Moreira Ferreira (“a requerente”), a 30 de março de 2012.

2.  A requerente, a quem foi concedido apoio jurídico, foi representada pelo Dr. J. J. F. Alves, advogado em Matosinhos. O Governo português (“o Governo”) foi representado pela sua agente, Dra. Maria de Fátima da Graça Carvalho.

3.  Apoiando-se, nomeadamente, nos artigos 6º e 46º da Convenção, a requerente queixou-se da rejeição do seu pedido de revisão de uma sentença penal proferida contra ela.

4.  A queixa foi atribuída à primeira secção do Tribunal (artigo 52º § 1 do Regulamento do Tribunal). A 1 de abril de 2014, a presidente da secção decidiu, nos termos no disposto do artigo 54º § 2 (b) do Regulamento, comunicar as queixas referidas ao governo demandado. A restante parte das queixas foi declarada inadmissível de acordo com o artigo 54º § 3 do Regulamento.

5.  No seguimento de uma alteração da composição das secções do Tribunal (artigo 25º § 1 do Regulamento), o caso foi atribuído à quarta secção (artigo 52º § 1 do Regulamento).

6.  A 12 de janeiro de 2016, uma câmara dessa secção, composta por András Sajó, presidente, Vincent A. De Gaetano, Boštjan M. Zupančič, Nona Tsotsoria, Paulo Pinto de Albuquerque, Krzysztof Wojtyczek, Egidijus Kūris, juízes, e Fatoş Aracı, secretária adjunta de secção, devolveu a decisão ao Tribunal Pleno, não tendo havido oposição das partes (artigo 30º da Convenção e artigo 72º do Regulamento).

7.  A composição do Tribunal Pleno foi determinada de acordo com o estabelecido nos artigos 26º §§ 4 e 5 da Convenção e 24º do Regulamento.

8.  Tanto a requerente como o Governo submeteram observações escritas sobre a admissibilidade e o mérito do caso.

9.  A 1 de junho de 2016, teve lugar uma audiência pública no Edifício dos Direitos do Homem, em Estrasburgo (artigo 59º § 3 do Regulamento).

 

Apresentaram-se diante do Tribunal:

(a)  pelo Governo
Dra. M. de Fátima da Graça Carvalho, Agente,
Dr. J. Conde Correia,
Dra. A. Garcia Marques, Assessores;

(b)  pela requerente
Dr. J.J.F. Alves, Advogado.

 

O Tribunal ouviu declarações da Dra. Graça Carvalho e do Dr. Alves, bem como as suas respostas às questões colocadas pelos juízes.

OS FACTOS

I.  AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO

10.  A requerente nasceu em 1961 e mora em Matosinhos.

A.  Contexto factual

11.  No seguimento de uma discussão com outras pessoas, o Ministério Público do Tribunal de Matosinhos abriu um processo contra a requerente pelo crime de ameaças. De acordo com o relatório de perícia realizado durante a instrução, a requerente tinha capacidades intelectuais e cognitivas reduzidas; não obstante, deveria ser responsabilizada criminalmente pelos seus atos.

12.  Por sentença de 23 de março de 2007, o Tribunal de Matosinhos rejeitou os argumentos de defesa aduzidos pela requerente sobre a diminuição da sua responsabilidade criminal e condenou-a a uma pena de 320 dias de multa, o correspondente a um total de 640 euros (EUR), pelos crimes de ameaça e injúria, e condenou-a ainda ao pagamento de uma indemnização às vítimas.

13.  A 13 de abril de 2007 a requerente recorreu da sentença para o Tribunal da Relação do Porto (“Tribunal da Relação”), repetindo o argumento de que não tinha conhecimento do caráter ilícito dos seus atos e de que tinha solicitado o reconhecimento da inexistência de responsabilidade criminal devido aos problemas psiquiátricos que alegava ter. Consequentemente, pediu uma nova apreciação dos factos e a oportunidade de ser ouvida em audiência.

14.  A 12 de dezembro de 2007, o Tribunal da Relação realizou uma audiência na qual estiveram presentes o Ministério Público e o advogado da requerente. A requerente não foi ouvida.

15.  Por acórdão que pôs termo ao processo, de 19 de dezembro de 2007, o Tribunal da Relação manteve a condenação da requerente pelos crimes de ameaça e de injúria mas reduziu a pena para 265 dias de multa, o correspondente a um total de 530 EUR. Considerou que não havia necessidade de reapreciação dos factos porque a requerente não tinha conseguido pôr em causa a validade da apreciação feita pelo tribunal de primeira instância.

16.  A requerente pagou a multa em várias prestações.

17.  Durante a audiência no Tribunal foi dito que em janeiro de 2016, cinco anos depois do pagamento da totalidade da multa, a condenação em causa tinha sido eliminada do registo criminal da requerente.

B.  Queixa nº 19808/08 e o acórdão proferido pelo Tribunal a 5 de julho de 2011

18.  A 15 de abril de 2008 a requerente recorreu ao Tribunal, queixando-se de que não tinha sido ouvida pessoalmente pelo Tribunal da Relação e que tal constituía uma violação do artigo 6º § 1 da Convenção.

19.  Por acórdão de 5 de julho de 2011, o Tribunal declarou a queixa no âmbito do artigo 6º § 1 admissível e considerou que tinha havido uma violação dessa disposição:

 “...

33.  O Tribunal nota que, neste caso, o Tribunal da Relação foi chamado a pronunciar-se sobre várias questões relativas aos factos e à pessoa da requerente. Esta última levantava, nomeadamente e tal como havia já feito perante o tribunal de primeira instância, a questão de saber se a sua responsabilidade penal deveria ser considerada como diminuída, o que poderia ter tido influência importante na determinação da pena.

34. Para este Tribunal, trata-se de uma questão que o Tribunal da Relação não poderia decidir sem apreciar diretamente o testemunho pessoal da requerente, tanto mais que a sentença do Tribunal de Matosinhos divergia da perícia psiquiátrica, sem contudo enunciar os motivos dessa divergência tal como exige o direito interno ... A reapreciação desta matéria pelo Tribunal da Relação deveria, pois, ter incluído nova e integral audição da requerente ...

35. Estes elementos são suficientes para que o Tribunal conclua que, neste caso, teria sido necessária a audiência pública no tribunal de recurso. Portanto, houve violação do artigo 6, nº 1 da Convenção.”

20.  No que diz respeito ao que foi reclamado em termos de danos pecuniários e morais no âmbito do artigo 41º da Convenção, o Tribunal disse o seguinte:

“41.  O Tribunal considera, desde logo, que, quando, como neste caso, uma pessoa foi condenada na sequência de um processo marcado pelo incumprimento das exigências do artigo 6º da Convenção, um novo processo ou reabertura do processo a pedido do interessado representam, em princípio, um meio apropriado para reparar essa violação. A este respeito refere que o artigo 449º do Código de Processo Penal português permite a revisão da decisão a nível interno quando este Tribunal tenha constatado a violação dos direitos e liberdades fundamentais do interessado. Contudo, as medidas específicas de reparação razoável a adotar por um Estado requerido em cumprimento das obrigações que lhe incumbem, nos termos da Convenção, dependem necessariamente das circunstâncias do caso e devem ser definidas à luz do acórdão proferido pelo Tribunal para o caso em apreço (ver Öcalan c. Turquia [GC], nº 46221/99, § 210, TEDH 2005-IV, e Panasenko c. Portugal, nº 10418/03, § 78, 22 de julho de 2008). Neste caso, só está em causa a falta de audição da requerente pelo Tribunal da Relação.

42. O Tribunal releva pois que o único fundamento a reter para atribuição de uma reparação razoável é, neste caso, o facto de a requerente não ter beneficiado das garantias do artigo 6º. A este respeito, não se vislumbra o nexo de causalidade entre a violação constatada e o alegado dano material e, por isso, se rejeita o pedido. Com efeito, ao Tribunal não compete especular sobre o resultado a que o Tribunal da Relação teria chegado se tivesse ouvido a requerente em audiência pública (ver Igual Coll c. Espanha, no. 37496/04, § 51, 10 de março de 2009). Inversamente, o Tribunal considera adequado conceder à interessada 2.400 EUR por danos morais.”

C.  Processo diante do Comité de Ministros para execução do acórdão de 5 de julho de 2011

21.  A 5 de julho de 2012, o Governo português submeteu um plano de ação relativo à execução do acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011 ao Comité de Ministros. [O Governo] confirmou que o montante concedido à requerente [a título de reparação razoável] tinha sido pago a 14 de dezembro de 2011. Relativamente às medidas de caráter geral, o Governo indicou que a presidência do Conselho de Ministros tinha proposto alterar o Código de Processo Penal por forma a permitir que um arguido fosse ouvido em audiência por qualquer tribunal de recurso encarregue de se pronunciar sobre a sua culpabilidade ou pena aplicada.

22.  Na audiência perante o Tribunal foi indicado que a proposta supra mencionada não tinha sido aprovada e que, portanto, não tinha sido incluída na versão final do Código de Processo Penal revisto.

23.  No momento de adoção do presente acórdão não existiam planos de revisão do Código de Processo Penal na agenda das autoridades nacionais. O processo de supervisão da execução do acórdão de 5 de julho de 2011 ainda estava pendente no Conselho de Ministros.

D.  O pedido de revisão da requerente

24.  Paralelamente, a 18 de outubro de 2011, a requerente fez um pedido de revisão de sentença ao Supremo Tribunal de Justiça nos termos do artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal, argumentando que o acórdão do Tribunal da Relação de 19 dezembro de 2007 era incompatível com o acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011.

25.  O Ministério Público alegou que o pedido deveria ser aceite uma vez que se poderiam legitimamente suscitar graves dúvidas sobre a justiça da condenação, em particular em relação à sanção imposta.

26. Por acórdão de 21 de março de 2012 o Supremo Tribunal rejeitou o pedido de revisão, considerando que não havia razão para a revisão, uma vez que o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação não era incompatível com o acórdão do Tribunal. Considerou que o facto de a requerente não ter sido ouvida pelo Tribunal da Relação tinha constituído uma irregularidade processual insuscetível de revisão e afirmou o seguinte:

“... o recurso de revisão é restrito, na nossa lei interna, às ‘sentenças (nomeadamente condenatórias’) e não a quaisquer despachos de orientação do processado, sendo que se ‘diz ... sentença o ato pelo qual o juiz decide a causa principal ou algum incidente que apresente a estrutura de uma causa’ (artigo 156º § 2 do Código de Processo Civil).

Ora, a revisão de sentença não pode ser autorizada, face à lei nacional, com o fundamento invocado pela recorrente, pois não há inconciliabilidade entre a sua condenação e a sentença do TEDH, para o efeito da referida alínea g) do nº 1 do artigo 449º do CPP. O que há é uma inconciliabilidade entre o procedimento que a relação adotou na realização da audiência que antecedeu a decisão do recurso e aquele que o TEDH considerou indispensável para assegurar os direitos de defesa.

Ora, face ao direito nacional, a ausência do arguido, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência, é uma nulidade insanável (artigo 119º, al. c), do CPP).

Contudo, as nulidades, mesmo as insanáveis, não são fundamento do recurso extraordinário de revisão de sentença ...

Por outro lado, como o próprio TEDH refere, não é permitido fazer qualquer especulação sobre qual teria sido a decisão da relação se a condenada tivesse sido ouvida na audiência que antecedeu a decisão de recurso, designadamente, se a pena teria sido a que foi cominada ou uma outra diferente.

Assim, o TEDH excluiu, desde logo, que a sua decisão pudesse suscitar graves dúvidas sobre a condenação, ainda que esta se considerasse apenas na vertente da pena efetivamente aplicada.

Em suma, a decisão vinculativa do TEDH não é nem inconciliável com a condenação nem suscita graves dúvidas sobre a sua justiça.

Por isso, o TEDH, consciente de que nem sempre é possível um novo processo ou a reabertura do processo face ao direito nacional aplicável, como é o caso, decidiu obrigar o Estado português a ressarcir a ora recorrente por danos morais, para assim reparar, não a ‘injustiça’ da condenação que de todo não se descortina, mas uma falha grave na tramitação do processo, a qual prejudicou os seus direitos de defesa.

Por tudo o exposto, não se verifica o fundamento indicado pela ora recorrente para se poder autorizar a revisão da sentença condenatória.

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em não autorizar a revisão.”

II.  O DIREITO E A PRÁTICA INTERNA RELEVANTES

A.  O pedido de revisão

27.  O artigo 449º § 1 (g), na redação da Lei nº 48/2007 que alterou o Código de Processo Penal, estabeleceu um novo fundamento para o pedido de revisão de sentença transitada em julgado. O artigo em questão está formulado da seguinte forma:

Artigo 449º (Fundamentos e admissibilidade da revisão)

“1.  A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:

(a)  Outra sentença transitada em julgado tiver considerado falsos meios de prova que tenham sido determinantes para a decisão;

(b)  Outra sentença transitada em julgado tiver dado como provado crime cometido por juiz ou jurado e relacionado com o exercício da sua função no processo;

(c)  Os factos que servirem de fundamento à condenação forem inconciliáveis com os dados como provados noutra sentença e da oposição resultarem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

(d)  Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação;

(e)  Se descobrir que serviram de fundamento à condenação provas proibidas nos termos dos nºs 1 a 3 do artigo 126º;

(f)  Seja declarada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade com força obrigatória geral de norma de conteúdo menos favorável ao arguido que tenha servido de fundamento à condenação;

(g)  Uma sentença vinculativa do Estado Português, proferida por uma instância internacional, for inconciliável com a condenação ou suscitar graves dúvidas sobre a sua justiça.

2.  Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo.

3.  Com fundamento na alínea d) do nº 1, não é admissível revisão com o único fim de corrigir a medida concreta da sanção aplicada.

4.  A revisão é admissível ainda que o procedimento se encontre extinto ou a pena prescrita ou cumprida.”

28.  Num acórdão de 27 de maio de 2009 (processo interno nº 55/01.OTBEPS-A.S1), o Supremo Tribunal de Justiça considerou que o novo fundamento de revisão de sentença transitada em julgado, tal como estabelecido na alínea g) do nº 1 do artigo 449º do Código de Processo Penal, deveria ser interpretado restritivamente. À luz da Recomendação Nº R (2000)2 do Comité de Ministros, [o Supremo Tribunal] considerou que a reabertura de processos só é necessária “perante sentenças em que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem constate que a decisão interna que suscitou o recurso é, quanto ao mérito, contrária à Convenção, ou quando constate a ocorrência de erros ou vícios processuais de uma gravidade tal que suscite graves dúvidas sobre a decisão adoptada e, simultaneamente, a parte lesada continue a sofrer consequências particularmente graves na sequência da decisão nacional, que não podem ser compensadas com a reparação razoável arbitrada pelo TEDH e que apenas podem ser alteradas com a revisão ou a reabertura do processo, isto é, mediante a restitutio in integrum.”

Numa opinião separada, um dos três juízes que analisou o pedido de revisão, pese embora tenha concordado com a decisão, considerou que a interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça do artigo 449º § 1 (g) tinha sido excessivamente restritiva. O juiz disse o seguinte:

“Entendo, pois, que a (nova) al. g) do nº 1 do artigo 449º do CPP introduziu um mecanismo de execução das sentenças oriundas de tribunais internacionais cuja natureza vinculante o Estado Português reconheceu, devendo o Supremo Tribunal de Justiça, ao apreciar o pedido de revisão, limitar-se a analisar da verificação do requisito formal ali mencionado: existir sentença (‘vinculativa’) de uma instância judiciária internacional que seja inconciliável com a condenação ou que suscite graves dúvidas sobre a sua justiça. Ao Supremo Tribunal de Justiça cabe somente, neste momento processual, repito, verificar se se verifica aquele requisito formal para abertura do processo de revisão. Ao juízo de revisão competirá proferir uma nova sentença (artigos 460º e seguintes do CPP), que deverá efetuar a execução da decisão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.”

29.  No acórdão em questão, o Supremo Tribunal de Justiça admitiu o pedido de reabertura do processo-crime no qual um jornalista tinha sido condenado por violação de segredo de justiça, tendo em conta a constatação do Tribunal Europeu no caso Campos Dâmaso c. Portugal (nº 17107/05, 24 de abril de 2008) de que a condenação tinha violado o direito do requerente protegido pelo artigo 10º da Convenção.

30.  O Supremo Tribunal de Justiça admitiu três pedidos de revisão ao abrigo do artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal em casos relacionados com condenações por difamação que o Tribunal Europeu considerou incompatíveis com o artigo 10º da Convenção:

(a)  por acórdão de 23 de abril de 2009 (processo interno nº 104/02.5TACTB-A.S1) relativo à condenação em processo-crime do autor de um livro por difamação, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que a condenação era incompatível com o acórdão do Tribunal Europeu no caso Azevedo c. Portugal (nº 20620/04, 27 de março de 2008);

(b)  por acórdão de 15 de novembro de 2012 (processo interno nº 23/04.GDSCD-B.S1) relativo a uma condenação por difamação, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que essa condenação era incompatível com o acórdão do Tribunal Europeu proferido no caso Alves da Silva v. Portugal (nº 41665/07, 20 de outubro de 2009); e

(c)  por acórdão de 26 de março de 2014 (processo interno nº 5918/06.4TDPRT.P1) relativo à reabertura de um processo-crime no qual o autor de um livro tinha sido condenado por difamação ao pagamento de uma multa, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que essa condenação era incompatível com o acórdão proferido pelo Tribunal Europeu no caso Sampaio e Paiva de Melo c. Portugal (nº 33287/10, 23 de julho de 2013). Afirmou, nomeadamente, que a reabertura do processo não visava a revisão de um acórdão que já tinha sido proferido mas garantir a prolação de uma nova decisão fundada na revisão do caso com base em factos novos.

B.  Outras disposições relevantes

31.  Outras disposições relevantes do Código de Processo Penal em vigor no período em questão estabelecem o seguinte:

Artigo 119º (Nulidades insanáveis)

“Constituem nulidades insanáveis, que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento, além das que como tal forem cominadas em outras disposições legais:

(a)  A falta do número de juízes ou de jurados que devam constituir o tribunal, ou a violação das regras legais relativas ao modo de determinar a respetiva composição;

(b)  A falta de promoção do processo pelo Ministério Público, nos termos do artigo 48º, bem como a sua ausência a atos relativamente aos quais a lei exigir a respetiva comparência;

(c)  A ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência;

(d)  A falta de inquérito ou de instrução, nos casos em que a lei determinar a sua obrigatoriedade;

(e)  A violação das regras de competência do tribunal ...;

(f)  O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei.”

Artigo 122º (Efeitos da declaração de nulidade)

“1. As nulidades tornam inválido o ato em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afetar.

2.  A declaração de nulidade determina quais os atos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, pondo as despesas respetivas a cargo do arguido, do assistente ou das partes civis que tenham dado causa, culposamente, à nulidade.

3.  Ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.”

Artigo 450º (Legitimidade)

“1. Têm legitimidade para requerer a revisão:

(a)  o Ministério Público;

...

(c)  o condenado.”

Artigo 457º (Autorização da revisão)

“1.  Se for autorizada a revisão, o Supremo Tribunal de Justiça reenvia o processo ao tribunal de categoria e composição idêntica às do tribunal que proferiu a decisão a rever e que se encontrar mais próximo.

2.  Se o condenado se encontrar a cumprir pena de prisão ou medida de segurança de internamento, o Supremo Tribunal de Justiça decide, em função da gravidade da dúvida sobre a condenação, se a execução deve ser suspensa.

3.  Se ordenar a suspensão da execução ou se o condenado não tiver ainda iniciado o cumprimento da sanção, o Supremo Tribunal de Justiça decide se ao condenado deve ser aplicada medida de coação legalmente admissível no caso.”

Artigo 458º (Anulação de sentenças inconciliáveis)

“1.  Se a revisão for autorizada com fundamento na alínea c) do nº 1 do artigo 449º, por haver sentenças penais inconciliáveis que tenham condenado arguidos diversos pelos mesmos factos, o Supremo Tribunal de Justiça anula as sentenças e determina que se proceda a julgamento conjunto de todos os arguidos, indicando o tribunal que, Segundo a lei, é competente.

2.  Para efeitos do disposto no número anterior, os processos são apensos, seguindo-se os termos da revisão.

3.  A anulação das sentenças faz cessar a execução das sanções nelas aplicadas, mas o Supremo Tribunal de Justiça decide se aos condenados devem ser aplicadas medidas de coação legalmente admissíveis no caso.”

Artigo 460º (Novo julgamento)

“1.  Praticados os atos a que se refere o artigo anterior, é designado dia para julgamento, observando-se em tudo os termos do respetivo processo.

2.  Se a revisão tiver sido autorizada com fundamento nas alíneas a) ou b) do nº 1 do artigo 449º, não podem intervir no julgamento pessoas condenadas ou acusadas pelo Ministério Público por factos que tenham sido determinantes para a decisão a rever.”

III.  RECOMENDAÇÃO Nº R (2000) 2 DO COMITÉ DE MINISTROS

32.  Através da Recomendação Nº R (2000) 2, adotada a 19 de janeiro de 2000 na 694ª reunião dos delegados dos ministros, o Comité de Ministros expressou que a sua prática na supervisão da execução dos acórdãos do Tribunal mostrava que, em circunstâncias excecionais, a revisão de um caso ou a reabertura do processo tinham demonstrado ser o meio mais eficaz, senão o único, para alcançar a restitutio in integrum. Solicitou aos Estados, por isso, que introduzissem mecanismos que permitissem a revisão de casos nos quais o Tribunal tenha constatado uma violação da Convenção, particularmente nas seguintes situações:

 “(i)  a parte lesada continua a sofrer consequências negativas graves por causa do resultado da decisão nacional em causa, que não são devidamente reparadas pela reparação razoável e não podem ser corrigidas senão pela revisão ou reabertura, e

 (ii)  o acórdão do Tribunal leva a concluir que

(a)  a decisão interna em causa é si mesma contrária à Convenção, ou

(b)  a violação constatada baseia-se em erros processuais ou vícios de tal gravidade que se levantam sérias dúvidas quanto ao resultado do processo interno impugnado.”

33.  O memorando explicativo [da Recomendação] tece comentários mais gerais sobre questões que não são explicitamente abordadas na Recomendação supramencionada. No que concerne aos casos que correspondem aos critérios acima mencionados, diz o seguinte:

“12.  O sub-parágrafo (ii) visa indicar (...) o tipo de violações nas quais a revisão do caso ou a reabertura do processo será particularmente importante. Exemplos de situações visadas pela alínea (a) incluem as condenações penais em violação do artigo 10º por as declarações caracterizadas como criminais pelas autoridades nacionais constituírem um exercício legítimo da liberdade de expressão da parte lesada ou em violação do artigo 9º por o comportamento caracterizado como criminal ser um exercício legítimo da liberdade de religião. Exemplos de situações visadas pela alínea b) incluem aquelas em que a parte lesada não dispôs de tempo nem de meios para preparar a sua defesa em processo penal, situações em que a condenação tiver sido baseada em declarações extraídas sob tortura ou em prova que a parte lesada não teve a possibilidade de verificar, ou, no caso de processo civil, situações em que as partes não tenham sido tratadas de forma a respeitar devidamente o princípio da igualdade de armas. Qualquer vício deve, como decorre do texto da própria recomendação, ser de tal gravidade que levante sérias dúvidas sobre o resultado do processo interno.”

IV.  O DIREITO E A PRÁTICA NOS ESTADOS-MEMBROS DO CONSELHO DA EUROPA

34.  Um estudo comparado da legislação e da prática em quarenta e três Estados do Conselho da Europa mostra que a maioria desses Estados introduziu um mecanismo nacional que permite que seja feito um pedido de revisão ou de reabertura de um processo criminal cuja decisão já tenha transitado em julgado com base na constatação pelo Tribunal de uma violação da Convenção.

35.  Nomeadamente, num número significativo desses Estados, os seus códigos de processo penal autorizam expressamente que um indivíduo, em relação ao qual o Tribunal tenha proferido um acórdão no qual constatou uma violação da Convenção num processo criminal, solicite a revisão ou a reabertura do caso com base nessa constatação. Entre esses Estados estão: Alemanha, Andorra, Arménia, Áustria, Azerbaijão, Bélgica, Bósnia e Herzegovina, Bulgária, Croácia, Eslováquia, Eslovénia, Espanha Estónia, França, Geórgia, Grécia, Holanda, Hungria, Letónia, Lituânia, Luxemburgo, antiga República Jugoslava da Macedónia, Moldávia, Mónaco, Montenegro, Noruega, Polónia, República Checa, Roménia, Rússia, San Marino, Sérvia, Suíça, Turquia e Ucrânia.

36.  Em muitos desses Estados, o pedido de revisão ou de reabertura deve ser introduzido perante um tribunal – mas o grau de jurisdição varia de um Estado para outro. Em alguns Estados, os indivíduos em causa devem dirigir o pedido à instância mais alta, ou seja, ao Supremo Tribunal de Justiça (Albânia, Andorra, Áustria, Azerbaijão, Bélgica, Bulgária, Espanha, Estónia, Grécia, Holanda, Hungria, Lituânia, Luxemburgo, Moldávia, Mónaco, Polónia, Rússia e Suíça) ou ao Tribunal Constitucional (República Checa). Noutros, o pedido de reexame ou de reabertura do processo deve ser introduzido no tribunal que proferiu a decisão em crise (Croácia, Eslovénia, antiga República Jugoslava da Macedónia, Turquia e Ucrânia).

37.  Em alguns Estados, o pedido de revisão ou de reabertura do processo deve ser introduzido num órgão não judicial como uma comissão administrativa independente ou uma comissão quasi-judicial (Islândia, Noruega e Reino Unido), o Ministro da Justiça (Luxemburgo), o Primeiro-Ministro, que tem autoridade para reenviar o caso para o tribunal de recurso penal (Malta) ou o Ministério Público (Letónia).

38.  A revisão ou a reabertura do processo não são, normalmente, concedidos automaticamente, devendo o pedido satisfazer certos critérios de admissibilidade como o cumprimento do prazo e outras formalidades processuais. Em alguns Estados, a legislação nacional estabelece outras condições: por exemplo, os requerentes devem apresentar um fundamento jurídico adequado como suporte ao seu pedido (Alemanha, Macedónia e Turquia), basear-se em novas circunstâncias (Arménia) ou aduzir factos e prova suficientes para fundamentar o pedido (Itália e Macedónia).

39.  Por último, noutros Estados-membros a revisão ou a reabertura do processo penal com base na constatação de uma violação da Convenção pelo Tribunal não estão, atualmente, previstos de forma expressa na lei nacional (é o caso, por exemplo, da Albânia, da Dinamarca, da Islândia, da Itália, de Malta, do Reino Unido e da Suécia). Em alguns destes Estados, contudo, esta possibilidade é possível por meio de interpretação extensiva das disposições gerais sobre a reabertura do processo (por exemplo, Albânia, Dinamarca, Itália e Suécia). Apenas num Estado-membro, no Liechtenstein, não existe possibilidade de revisão ou de reabertura de um processo penal com base num acórdão proferido pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.

O DIREITO

I.  DA ALEGADA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 6º DA CONVENÇÃO

40.  A requerente queixou-se do facto de o Supremo Tribunal de Justiça ter rejeitado o seu pedido de revisão de um acórdão proferido contra ela no âmbito de um processo-crime. Argumentou que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça equivalia a uma “denegação de justiça” na medida em que o tribunal tinha interpretado e aplicado incorretamente as disposições relevantes do Código de Processo Penal, bem como as conclusões do acórdão do Tribunal de 2011, privando-a, desse modo, do direito à revisão da sua condenação. Alegou que tinha havido uma violação do artigo 6º § 1 que dispõe, na parte revelante:

“Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa ... por um tribunal independente e imparcial ... o qual decidirá ... sobre o fundamento de qualquer acusação em material penal dirigida contra ela.”

A.  Admissibilidade

1.  Argumentos das partes

41.  O Governo contestou a jurisdição ratione materiae do Tribunal para decidir sobre o mérito da queixa apresentada pela requerente no âmbito do artigo 6º da Convenção.

42.  O Governo argumentou, em primeiro lugar, que a nova queixa não continha quaisquer factos novos quando comparada com a anterior e que a mesma dizia apenas respeito à execução do acórdão do Tribunal de 2011. O artigo 46º impedia, portanto, que o Tribunal a examinasse.

43.  Em segundo lugar, o Governo alegou que o artigo 6º da Convenção não era aplicável ao processo no Supremo Tribunal de Justiça para revisão do acórdão do Tribunal da Relação de 19 de dezembro de 2007 e que o caso em apreço não envolvia nenhuma questão factual ou jurídica que conduzisse a um novo exame pelo Tribunal no âmbito do artigo 6º da Convenção.

Na opinião do Governo, a requerente não podia invocar um direito à revisão de uma condenação penal transitada em julgado. O processo extraordinário de revisão previsto no artigo 449º do Código de Processo Penal distingue-se pela sua natureza, extensão e características específicas dos outros recursos ordinários existentes na legislação portuguesa (apelação em que se reenvia o caso ao tribunal superior para decisão do caso no seu conjunto,e o recurso de revista, que incide sobre questões de direito e, em casos excecionais, sobre vícios graves referentes aos factos). De acordo com as normas internas sobre processo penal, ao Supremo Tribunal de Justiça apenas compete admitir ou a rejeitar a revisão do processo, sendo que uma decisão de admissibilidade desse pedido implica o envio do caso ao tribunal de primeira instância.

44.  No caso em apreço, o Supremo Tribunal de Justiça limitou-se a determinar, à luz do direito nacional e das conclusões do Tribunal Europeu, se as condições para a reabertura do processo estavam preenchidas. Para tal, comparou o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação a 19 de dezembro de 2007 com aquele proferido pelo Tribunal a 5 de julho de 2011 para determinar, única e exclusivamente, se eram compatíveis e se o acórdão do Tribunal tinha suscitado alguma dúvida grave sobre a validade da condenação da requerente.

45.  A requerente, por sua vez, alegou que o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2012 constituía um facto novo e que o artigo 6º da Convenção se aplicava ao processo relativo ao seu pedido de revisão.

2. Apreciação do Tribunal

46.  Na análise da admissibilidade da presente queixa, o Tribunal tem primeiro de determinar se tem jurisdição para analisar a queixa da requerente sem prejudicar as prerrogativas do Estado demandado e do Comité de Ministros nos termos do artigo 46º da Convenção e, se for caso disso, determinar se as garantias do artigo 6º da Convenção eram aplicáveis ao processo em causa.

(a)  Se o artigo 46º da Convenção impede que o Tribunal analise a queixa apresentada no âmbito do artigo 6º da Convenção

(i)  Princípios gerais

47.  O Tribunal constata que nos seus acórdãos Bochan c. Ucrânia (nº 2) [GC], nº 22251/08, TEDH 2015) e Verein gegen Tierfabriken Schweiz (VgT) c. Suíça (nº 2) ([GC], nº 32772/02, TEDH 2009), bem como na sua decisão no caso Egmez c. Chipre (dec.), nº 12214/07, §§ 48-56, 18 de setembro de 2012) foi chamado a analisar a sua competência em relação às prerrogativas do Estado demandado e do Comité de Ministros nos termos do artigo 46º da Convenção. Nesses acórdãos e nessa decisão, o Tribunal estabeleceu os seguintes princípios:

(a)  As constatações de uma violação pelos seus acórdãos têm natureza essencialmente declarativa e, nos termos do artigo 46º da Convenção, as Altas Partes Contratantes comprometeram-se a respeitar os acórdãos do Tribunal em qualquer caso em que tenham sido partes, sendo que a execução dos acórdãos será supervisionada pelo Comité de Ministros (ver Verein gegen Tierfabriken Schweiz (VgT) (nº 2), supra citado, § 61).

(b)  O papel do Comité de Ministros neste domínio não significa, contudo, que as medidas adotadas pelo Estado demandado para remediar uma violação que tenha sido constatada pelo Tribunal não possam suscitar uma questão nova que não tenha ainda sido apreciada no acórdão inicial e, como tal, dar origem a uma nova queixa que possa ser analisada pelo Tribunal. Por outras palavras, o Tribunal pode analisar uma queixa onde esteja em causa o facto de a reabertura de um processo ao nível interno, com vista a executar um dos seus acórdãos, ter dado origem a uma nova violação da Convenção (ibid, § 62; ver também Bochan (nº 2), supra citado, § 33, e Egmez, supra citado, § 51).

(c)  Nessa base, o Tribunal considerou que tinha competência para analisar queixas em várias situações verificadas na sequência de acórdãos do Tribunal, como, por exemplo, situações em que as autoridades nacionais tenham procedido à revisão do caso, em execução de um acórdão do Tribunal, mediante a reabertura do processo ou iniciando um processo inteiramente novo (ver Egmez, supra citado, § 52, e as referências nele contidas).

(d) Da jurisprudência do Tribunal resulta que a determinação da existência de uma “questão nova” está dependente das circunstâncias específicas de um determinado caso, sendo que as distinções entre casos nem sempre são claras (ver Bochan (nº 2), supra citado, § 34, e, para uma análise dessa jurisprudência, Egmez, supra citado, § 54). Os poderes atribuidos ao Comité de Ministros pelo artigo 46º da Convenção para supervisionar a execução dos acórdãos do Tribunal e avaliar a implementação das medidas adotadas pelos Estados nos termos desse artigo não são afetadas pelo facto de o Tribunal ter de lidar com nova informação relevante no contexto de uma nova queixa (ver Verein gegen Tierfabriken Schweiz (VgT) (nº 2), supra citado, § 67).

48.  O Tribunal reitera que não tem competência para ordenar, em particular, a reabertura de um processo (ibid., § 89). No entanto, tal como indicado na Recomendação Nº R (2000) 2 do Comité de Ministros, a prática do Comité de Ministros no âmbito da supervisão da execução dos acórdãos mostra que, em circunstâncias excecionais, a revisão de um caso ou a reabertura do processo tornaram-se o meio mais eficaz, senão o único, para alcançar a restitutio in integrum – ou seja, de garantir que a parte lesada vê restaurada, na medida do possível, a situação de que desfrutava antes da violação da Convenção. Entre os casos em que o Tribunal constata uma violação, a revisão ou a reabertura será de especial importância no âmbito do direito penal, de acordo com a exposição de motivos da Recomendação (ver parágrafos 32 e 33 supra).

49.  É por isso evidente, no que diz respeito à reabertura do processo, que o Tribunal não tem jurisdição para ordenar tal medida. Contudo, nas situações em que um indivíduo tenha sido condenado num processo no âmbito de um processo onde tenham existido violações das exigências do artigo 6º da Convenção, o Tribunal pode indicar que a realização de um novo julgamento, se solicitado, representa, em princípio, um meio apropriado de reparação da violação (ver Verein gegen Tierfabriken Schweiz (VgT) (nº 2), supra citado, § 89). Por exemplo, no contexto específico dos casos turcos sobre independência e imparcialidade dos tribunais de segurança do Estado, o Tribunal considerou que, em princípio, o meio mais adequado de reparação seria proporcionar um novo julgamento ao requerente por um tribunal independente e imparcial (ver Gençel c. Turquia, nº 53431/99, § 27, 23 de outubro de 2003).

50.  Esta abordagem foi confirmada nos casos Öcalan c. Turquia ([GC], nº 46221/99, § 210, TEDH 2005IV) e Sejdovic c. Itália ([GC], nº 56581/00, TEDH 2006II). Neste último caso, o Tribunal enunciou princípios gerais (§§ 126 e 127) que podem ser resumidos pela seguinte forma:

(a)  Nas situações em que um indivíduo tenha sido condenado num processo onde se tenham verificado violações das exigências do artigo 6º da Convenção, o novo julgamento ou a reabertura do processo, se solicitado representa, em princípio, um meio apropriado para reparar a violação. Todavia, as medidas corretivas específicas exigidas ao Estado demandado para que cumpra as suas obrigações nos termos da Convenção, se as houver, devem depender das circunstâncias do caso particular e ser determinadas à luz do acórdão do Tribunal e tendo em devida conta a jurisprudência do Tribunal.

(b)  Em particular, não cabe ao Tribunal indicar as modalidades e aforma que deve seguir eventual novo processo. O Estado demandado tem liberdade para escolher os meios através dos quais cumprirá a sua obrigação de colocar o requerente, na medida do possível, na situação em que estaria se as exigências da Convenção tivessem sido respeitadas, desde que esses meios sejam compatíveis com as conclusões enunciadas no acórdão do Tribunal e com o direito de defesa.

51.  Em casos excecionais, a própria natureza da violação constatada pode ser tal que não deixa nenhuma escolha real quanto às medidas necessárias para a remediar, o que levará o Tribunal a indicar apenas uma medida (ver, por exemplo, Assanidze c. Geórgia [GC], nº 71503/01, §§ 202 e 203, TEDH 2004II, e Del Río Prada c. Espanha [GC], nº 42750/09, §§ 138 e 139, TEDH 2013). Por outro lado, em alguns dos seus acórdãos o próprio Tribunal, depois de concluir pela violação do artigo 6º da Convenção, excluiu expressamente a reabertura do processo findo por decisão definitiva (ver, por exemplo, Henryk Urban e Ryszard Urban c. Polónia, nº 23614/08, § 66, 30 de novembro de 2010).

(ii)  Aplicação destes princípios ao caso sub judice

52.  Os princípios acima referidos indicam que a constatação pelo Tribunal de uma violação do artigo 6º da Convenção não requer, automaticamente, a reabertura do processo penal a nível interno. Ainda assim, este é, em princípio, e na maioria das vezes, o meio mais adequado para pôr fim à violação e ajudar a reparar os seus efeitos.

53.  Esta posição é suportada por um vasto conjunto de soluções existentes na Europa que permitem que os indivíduos, no seguimento de uma constatação pelo Tribunal de uma violação da Convenção, solicitem a reabertura do processo penal findo por decisão transitada em julgado. Neste contexto, o Tribunal nota que não existe uma abordagem uniforme entre os Estados Contratantes no que diz respeito ao direito a pedir a reabertura dum processo já findo. Observa, também, que na maioria desses Estados a reabertura do processo não é automática e está sujeita a critérios de admissibilidade, cujo cumprimento é supervisionado pelos tribunais nacionais que dispõem de uma ampla margem de apreciação nesse domínio (ver parágrafos 34 e seguintes supra).

54.  No caso em apreço, o Tribunal nota que, embora o processo decidido pelo Supremo Tribunal de Justiça diga indiscutivelmente respeito à execução do acórdão to Tribunal de 2011, era novo em relação ao processo interno que tinha sido objeto desse acórdão, e subsequente ao mesmo. No que diz respeito à queixa da requerente, o Tribunal nota que esta incide sobre as razões aduzidas pelo Supremo Tribunal de Justiça para rejeitar o pedido de revisão. Assim sendo, a questão da compatibilidade entre o procedimento de apreciação do pedido de revisão com as exigências do processo equitativo decorrentes do artigo 6º da Convenção é destacável dos aspetos relacionados com a execução do acórdão proferido pelo Tribunal em 2011 (ver, mutatis mutandis, Bochan (nº 2), supra citado, § 37).

55.  O Tribunal regista, assim, que ao apreciar o pedido de revisão, o Supremo Tribunal de Justiça debruçou-se sobre uma questão nova, ou seja, a análise da justiça da condenação da requerente à luz da constatação de uma violação do direito a um processo equitativo. Ao rejeitar o argumento da requerente de que a sua condenação era incompatível com o acórdão proferido pelo Tribunal em 2011, o Supremo Tribunal de Justiça fez a sua própria interpretação do acórdão do Tribunal tendo considerado que as conclusões eram efetivamente compatíveis com o acórdão do Tribunal da Relação. Consequentemente, concluiu que o argumento avançado para alicerçar o pedido de revisão, baseado no artigo 449 § 1 (g) – um artigo a que o Tribunal se expressamente referiu como permitindo a reabertura do processo – era infundado.

56.  À luz do exposto, o Tribunal considera que a alegada falta de equidade do procedimento seguido na análise do pedido de revisão e, mais especificamente, os erros que a requerente alegou terem viciado o raciocínio do Supremo Tribunal de Justiça, constituem novos elementos em relação ao anterior acórdão do Tribunal.

57.  Adicionalmente, o Tribunal nota que o procedimento de supervisão da execução do acórdão está ainda pendente no Comité de Ministros (ver parágrafo 23 supra), sem que isso impeça o Tribunal de apreciar uma nova queixa na medida em que esta inclua elementos novos que não foram objecto do seu acórdão inicial.

58.  Desta forma, o Tribunal considera que o artigo 46º da Convenção não constitui impedimento à análise da nova queixa no âmbito do artigo 6º da Convenção.

59.  Concluindo pela sua competência para examinar a queixa da requerente, o Tribunal passará agora a verificar se o artigo 6º da Convenção se aplica ao processo em causa.

(b)  Se a nova queixa da requerente é compatível ratione materiae com o Artigo 6º § 1 da Convenção

(i)  Princípios gerais

60.  O Tribunal recorda que no caso Bochan (nº2) (supra citado) analisou a questão da aplicabilidade do artigo 6º a recursos relacionados com a reabertura de processos civis findos por decisão definitiva. Os princípios estabelecidos pelo Tribunal nesse caso podem ser resumidos da seguinte forma:

(a)  De acordo com a sua jurisprudência consagrada ao longo de vários anos, a Convenção não garante o direito à reabertura de um processo findo. O recurso extraordinário, através do qual se procura obter a reabertura de um processo findo, não implica, em princípio, decidir sobre a determinação de “direitos e obrigações de caráter civil” ou sobre o fundamento de “acusações em matéria penal” e, portanto, o artigo 6º é-lhes inaplicável. Esta abordagem tem também sido seguida em casos em que a reabertura de um processo judicial findo seja solicitada com fundamento na constatação, pelo Tribunal, de uma violação da Convenção (ibid., §§ 4445, com as referências aí referidas).

(b)  Todavia, na hipótese de um recurso extraordinário conduzir, automaticamente ou atendendo às circunstâncias específicas, a uma reapreciação integral do caso, o artigo 6º é aplicável, da maneira habitual, ao procedimento de reapreciação. Para além disso, também foi considerado que o artigo 6º é aplicável em certos casos em que os procedimentos, embora considerados como “extraordinários” ou “excecionais” segundo o direito nacional, foram considerados como tendo natureza e alcance semelhantes a procedimentos de recurso ordinário, não sendo a qualificação de acordo com o direito nacional decisiva para a questão da aplicabilidade (ibid., §§ 46-47).

(c)  Em suma, apesar de o artigo 6º § 1 não ser normalmente aplicável ao recurso extraordinário através do qual se procure reabrir um processo judicial findo, a natureza, o âmbito e as características específicas do procedimento apropriado no sistema jurídico em causa podem fazer com que o mesmo caia no âmbito de aplicação do artigo 6º § 1, sendo as garantias de processo equitativo previstas nessa disposição aplicadas aos litigantes (ibid., § 50).

61.  No que diz respeito ao processo penal, o Tribunal considerou que o artigo 6º não se aplica a procedimentos que visem a reabertura na medida em que uma pessoa que tenha sido condenada por uma decisão transitada em julgado, e que depois faz esse pedido, não está a ser “acusada de uma infração penal” na aceção desse artigo. Da mesma forma, o artigo 6º não é aplicável a recursos de cassação no interesse do direito, interpostos com vista á anulação de uma condenação transitada em julgado no seguimento de um acórdão que constate uma violação proferido pelo Tribunal, na medida em que a pessoa em causa também não está “acusada de uma infração penal” nesse procedimento (ver, por exemplo, Fischer c. Áustria (dec.), nº 27569/02, TEDH 2003-VI, e Öcalan c. Turquia (dec.), nº 5980/07, 6 de julho de 2010).

62.  Ainda assim, no domínio do direito penal, o Tribunal entende que as exigências de segurança jurídica não são absolutas. Questões como o surgimento de novos factos, a descoberta de um vício substancial no processo anterior que possa afetar o desfecho do caso, ou a necessidade de providenciar uma reparação, especialmente no contexto da execução dos acórdãos do Tribunal, militam a favor da reabertura do processo. Concomitantemente, o Tribunal afirmou que a mera possibilidade de reabertura do processo penal é prima facie compatível com a Convenção (ver Nikitin c. Rússia, nº 50178/99, §§ 55-57, TEDH 2004VIII). [O Tribunal] realçou, todavia, que o poder de revisão dos tribunais superiores apenas deveria ser exercido para corrigir erros judiciários e não para levar a cabo uma nova apreciação do caso. A revisão não deve ser vista como um recurso disfarçado; a mera possibilidade de existirem dois pontos de vista sobre o assunto não é causa para a revisão. Um desvio desse princípio só se justifica quando motivos substanciais e imperiosos o exijam (ver Bujniţa c. Moldova, nº 36492/02, § 20, 16 de janeiro de 2007, e Bota c. Roménia, nº 16382/03, §§ 33 e 34, 4 de novembro de 2008).

63.  O Tribunal afirmou, portanto, que uma condenação que ignore prova essencial constitui um erro da justiça penal e que não corrigir um erro desses pode afetar gravemente a equidade, a integridade e reputação pública dos processos judiciais (ver Lenskaya c. Rússia, nº 28730/03, §§ 39 e 40, 29 de janeiro de 2009, e Giuran c. Roménia, nº 24360/04, § 39, TEDH 2011 (extratos)). De modo semelhante, o Tribunal considerou que a confirmação, depois da revisão do processo, de uma condenação pronunciada em violação do direito a um processo equitativo, constitui um erro de apreciação que perpetua essa violação (ver Yaremenko c. Ucrânia (nº 2), nº 66338/09, §§ 52-56 e 64-67, 30 de abril de 2015). Por outro lado, a reabertura arbitrária do processo penal, particularmente em detrimento de uma pessoa condenada, viola o direito a um processo equitativo (ver Savinskiy c. Ucrânia, nº 6965/02, § 25, 28 de fevereiro de 2006; Radchikov c. Rússia, nº 65582/01, § 48, 24 de maio de 2007; e Ştefan c. Roménia, nº 28319/03, § 18, 6 de abril de 2010).

64.  O Tribunal também considerou outras fases do processo penal em que os requerentes já não eram “acusados de uma infração penal” mas pessoas “condenadas” em resultado de decisões judiciais consideradas definitivas pelo direito nacional. Tendo em conta que “acusação em matéria penal” é uma noção autónoma e tendo em conta as consequências do procedimento de apreciação de um recurso em matéria de direito sobre a maneira como apreciou o fundamento de uma acusação em matéria penal, incluindo a possibilidade de retificação de erros de direito, o Tribunal já considerou que esse processo está coberto pelas garantias do artigo 6º (ver Meftah e Outros c. França [GC], nºs 32911/96, 35237/97 e 34595/97, § 40, TEDH 2002VII), incluindo nas situações em que é considerado um recurso extraordinário pelo direito nacional e diz respeito a uma decisão que não é susceptível de recurso ordinário. Do mesmo modo, o Tribunal considerou que as garantias do artigo 6º são aplicáveis ao processo penal em que o tribunal competente começou por examinar a admissibilidade de um pedido de recurso abrindo o caminho à cassação (ver Monnell e Morris c. Reino Unido, 2 março 1987, § 54, Série A nº 115).

65.  Dos princípios gerais expostos, decorre que o artigo 6º da Convenção é aplicável, na sua vertente criminal, aos procedimentos penais referentes aos recursos considerados como extraordinários pelo direito nacional nas situações em que o tribunal nacional seja chamado a pronunciar-se sobre o fundamento da acusação. Desta forma, o Tribunal analisa a aplicabilidade do artigo 6º a recursos extraordinários tentando estabelecer se, durante a análise do recurso em causa, o tribunal nacional tinha de se pronunciar sobre o fundamento da acusação em matéria penal.

66.  O Tribunal realça que a sua análise no caso Bochan (nº 2) (supra citado) se focou em assuntos relacionados com aspeto civil do artigo 6º da Convenção. Existem, contudo, diferenças significativas entre processos civis e penais.

67.  O Tribunal considera que os direitos de uma pessoa acusada ou indiciada de uma infração penal, exigem uma maior proteção do que os direitos das partes no processo civil. Os princípios e as normas aplicáveis ao processo penal devem, portanto, estar definidas com especial clareza e precisão. Por último, enquanto no processo civil os direitos de uma parte podem entrar em conflito com os direitos da outra, essas considerações não permitem uma oposição a medidas adotadas a favor de pessoas que tenham sido acusadas ou condenadas, sem prejuízo dos direitos que as vítimas das infrações poderem fazer valer os seus direitos perante os tribunais nacionais.

 (ii)  Aplicação destes princípios ao caso sub judice

68.  Na aplicação dos princípios supracitados ao caso sub judice, o Tribunal realça que tem em consideração o direito nacional tal como interpretado pelos tribunais no Estado demandado. No caso em apreço, nota que o direito interno, em particular o artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal, oferecia ao requerente um recurso, no âmbito de um procedimento contraditório, que envolvia a possibilidade de exame da compatibilidade da sua condenação pelo Tribunal da Relação com as constatações do Tribunal no seu acórdão de 2011 (comparar com o caso Bochan (nº 2), supra citado, § 54).

69.  O Tribunal nota que o Supremo Tribunal de Justiça não dispõe de poderes para determinar os fundamentos da revisão, uma vez que estes estão elencados de forma exaustiva no artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal (ver parágrafo 27 supra). Esses fundamentos prendem-se com o aparecimento de novo material probatório ou com violações de regras substantivas ou processuais. No último caso, o Supremo Tribunal de Justiça deve pronunciar-se sobre a conformidade da decisão proferida com o direito substantivo ou sobre a legalidade do procedimento adotado, e decidir se os vícios encontrados justificam ou não a reabertura do processo.

Em particular, no âmbito do exame previsto no artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal, compete ao Supremo Tribunal de Justiça controlar, face às constatações do Tribunal ou outra entidade internacional, a tramitação e o resultado do processo findo e, quando apropriado, ordenar a reexame do caso por forma a assegurar uma nova pronúncia sobre o fundamento da acusação penal contra a parte lesada. Para além disso, de acordo com o artigo 457º do Código de Processo Penal, o Supremo Tribunal de Justiça pode, se decidir admitir a revisão, suspender a execução da pena ou da medida de segurança, se o considerar necessário.

O Tribunal nota, assim, que o quadro legislativo requer que o Supremo Tribunal de Justiça confronte a condenação em questão com os fundamentos em que o Tribunal baseou a sua constatação de violação da Convenção. O exame com base no artigo 449º § 1 (g) do Código do Processo Penal pode ser determinante para o fundamento da acusação penal e, neste sentido, partilha características comuns com um recurso sobre matéria de direito (comparar com Maresti c. Croácia, nº 55759/07, §§ 25 e 28, 25 de junho de 2009).

70.  No que diz respeito ao escrutínio levado a cabo pelo Supremo Tribunal de Justiça no caso em apreço, o Tribunal nota que apesar de lhe competir a decisão sobre a admissibilidade do pedido, ele procedeu, ainda assim, a um exame do mérito numa série de questões relacionadas com a ausência da requerente da audiência e as consequências dessa ausência na justiça da sua condenação e da pena aplicada.

71.  Deste modo, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que o acórdão do Tribunal da Relação não era inconciliável com o acórdão do Tribunal Europeu. Esta conclusão foi apoiada pela sua própria interpretação do acórdão do Tribunal, tendo considerado que o Tribunal tinha “desde logo excluído qualquer possibilidade de que a sua decisão pudesse suscitar graves dúvidas sobre a condenação.” Apesar de ter aceitado que a ausência da requerente da audiência em recurso tinha ofendido o seu direito de defesa, considerou que o Tribunal tinha reparado de forma suficiente e na totalidade o vício ao conceder à requerente uma quantia monetária como reparação razoável. Tendo concluído que a justiça da condenação não suscitava nenhuma dúvida grave, apenas podia confirmar a condenação e a pena aplicada pelo Tribunal da Relação.

72.  Tendo em conta a extensão do escrutínio do Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal considera que esse escrutínio deve ser visto como uma extensão do processo findo pelo acórdão de 19 de dezembro de 2007. Esse controlo focou-se, novamente, no fundamento, no âmbito do artigo 6º § 1 da Convenção, da acusação penal contra a requerente. Consequentemente, as garantias do artigo 6º § 1 da Convenção eram aplicáveis ao processo perante o Supremo Tribunal de Justiça.

(c)  Conclusão

73.  A exceção aduzida pelo Governo de que o tribunal não tinha competência ratione materiae para examinar o mérito da queixa da requerente no âmbito do artigo 6º da Convenção deve ser rejeitada.

74.  Para além disso, o Tribunal considera que esta queixa não é manifestamente mal fundada na aceção do artigo 35º § 3 (a) da Convenção nem é inadmissível por nenhum outro motivo. Declara-a, portanto, admissível.

75.  O Tribunal irá agora procurar determinar se os requisitos do artigo 6º § 1 da Convenção foram respeitados no caso sub judice.

B.  Do mérito

1.  Argumentos das partes

(a)  A requerente

76.  A requerente alegou que as conclusões do Tribunal no seu acórdão de 5 de julho de 2011 tinham levantado graves dúvidas quanto ao resultado do processo interno que tinha resultado na sua condenação.

77.  Para a requerente, ao rejeitar o pedido de revisão, o Supremo Tribunal de Justiça tinha cometido um erro grave de interpretação e aplicação do artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal. A requerente sustentou que o pedido de revisão deveria ter sido admitido, principalmente tendo em conta que o Ministério Público tinha considerado que a revisão devia ser admitida com o fundamento de que se poderiam legitimamente suscitar graves dúvidas sobre a sua condenação e, em particular, sobre a pena.

(b)  O Governo

78.  O Governo alegou que o Supremo Tribunal de Justiça se tinha limitado a comparar o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação a 19 de dezembro de 2007 com o acórdão do Tribunal por forma a determinar se eram compatíveis e se o último originava alguma dúvida grave quanto à condenação da requerente.

79.  Utilizando como referência a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça no que diz respeito aos pedidos de revisão, o Governo sustentou que o direito português não estabelecia um direito absoluto ou automático de reabertura de processos penais findos.

80.  O Governo alegou que, contrariamente ao que acontecia em casos onde estava em causa uma violação do direito à liberdade de expressão onde a incompatibilidade com a condenação era manifesta, o Supremo Tribunal de Justiça já tinha considerado que um erro processual não podia conduzir, sem prejuízo da força do caso julgado, a uma revisão de uma condenação penal a não ser que esse erro fosse de excecional gravidade. Uma mera dúvida quanto à justiça de uma condenação, ou uma simples irregularidade processual, constituía, portanto, fundamento insuficiente para admitir uma revisão, sendo que apenas vícios que afetem a decisão de forma a torná-la intolerável para a sociedade em geral poderiam justificar a reabertura do processo.

81.  Ora, não teria sido essa a situação no caso em apreço. Apenas estava em causa a extensão da responsabilidade criminal da requerente e as possíveis consequências na determinação da pena. Uma vez que a multa a que tinha sido condenada já tinha sido paga, seria inutil, em termos substantivos e processuais, reabrir o processo.

82.  Em suma, o Governo asseverou que o procedimento seguido pelo Supremo Tribunal de Justiça e as conclusões a que tinha chegado tinham respeitado as exigências de um processo equitativo. De acordo com o princípio de subsidiariedade, o Supremo Tribunal de Justiça teria disposto de uma ampla margem de apreciação na interpretação e na aplicação do direito nacional, devendo esta margem de apreciação ser respeitada.

2.  Apreciação do Tribunal

(a)  Princípios gerais

83.  O Tribunal recorda que no (supra citado) acórdão Bochan (nº 2) foi chamado a pronunciar-se sobre a injustiça resultante da fundamentação dos tribunais internos, no âmbito da vertente civil do artigo 6º da Convenção. Os princípios estabelecidos pelo Tribunal nesse caso podem ser sumariados da seguinte forma:

(a)  Não compete ao Tribunal conhecer os erros de direito ou de facto eventualmente cometidos pelos tribunais nacionais a não ser que, e na medida em que, tenham violado direitos e liberdades protegidos pela Convenção como, por exemplo, em casos excecionais em que se possa dizer que esses erros constituam uma iniquidade incompatível com o artigo 6º da Convenção (ibid., § 61).

(b) O artigo 6º § 1 da Convenção não estabelece nenhuma regra quanto à admissibilidade de prova nem quanto à forma como deve ser apreciada, relevando esta matéria primeiramente do direito nacional e dos tribunais nacionais. Em princípio, questões como o peso que deve ser dado a determinado elemento de prova pelos tribunais nacionais ou a determinadas conclusões ou apreciações de que tenham conhecido, não escapam ao controlo do Tribunal. O Tribunal não é uma quarta instância e não deve pôr em causa no âmbito do artigo 6º § 1 da Convenção a apreciação feita pelos tribunais nacionais, a não ser que as conclusões dos tribunais nacionais possam ser consideradas arbitrárias ou manifestamente injustificadas (ibid., § 61; ver também os caso aí citados: Dulaurans c. França, nº 34553/97, §§ 33-34 e 38, 21 de março de 2000; Khamidov c. Rússia, nº 72118/01, § 170, 15 de novembro de 2007; e Anđelković c. Sérvia, nº 1401/08, § 24, 9 de abril de 2013; bem como a aplicação desta jurisprudência a acórdãos mais recentes: Pavlović e Outros c. Croácia, nº 13274/11, § 49, 2 de abril de 2015; Yaremenko (nº 2), supra citado, §§ 6467; e Tsanova-Gecheva c. Bulgária, nº 43800/12, § 91, 15  de setembro de 2015).

84.  O Tribunal também reafirma que, de acordo com a sua jurisprudência constante que reflete um princípio ligado à boa administração da justiça, as decisões dos tribunais devem expor de modo adequado as razões em que se baseiam. A extensão dada a este dever de fundamentação pode variar de acordo com a natureza da decisão e deve ser determinada à luz das circunstâncias do caso (ver García Ruiz c. Espanha [GC], nº 30544/96, § 26, TEDH 1999I). Sem exigir uma resposta detalhada a todos os argumentos do queixoso, esta obrigação pressupõe que as partes nos processos judiciais possam esperar receber uma resposta específica e explícita aos argumentos que são decisivos para o desfecho do processo (ver, entre outros, Ruiz Torija c. Espanha, 9 de dezembro de 1994, §§ 29-30, Série A nº 303A, e Higgins e Outros c. França, 19 de fevereiro de 1998, §§ 42-43, Relatórios de Acórdãos e Decisões 1998I). Para além disso, nos casos relacionados com as ingerências em direitos consagrados pela Convenção, o Tribunal procura determinar se as razões providenciadas pelos tribunais nacionais são automáticas ou estereotipadas (ver, mutatis mutandis, Paradiso e Campanelli c. Itália [GC], nº 25358/12, § 210, TEDH 2017). Ademais, a Convenção não requer que os jurados indiquem razões para as suas decisões e o artigo 6º não impede que um réu seja julgado por um tribunal de júri mesmo quando não sejam dadas razões para o veredito. De todo o modo, para que os requisitos de um processo equitativo sejam respeitados, o público, e sobretudo o acusado, devem ser capazes que entender o veredito (ver Lhermitte c. Bélgica [GC], nº 34238/09, §§ 66 e 67, TEDH 2016).

(b)  Aplicação destes princípios ao caso sub judice

85. Da jurisprudência citada decorre que uma decisão judicial não pode ser qualificada como arbitrária ao ponto de prejudicar a equidade do processo, a não ser que seja desprovida de motivação ou se motivação se fundar em erro de facto ou de direito manifesto cometido pelo juiz nacional, resultando numa “denegação de justiça”.

86.  A questão que se coloca no presente caso é a de saber se a motivação dna decisão do Supremo Tribunal de Justiça está em conformidade com os padrões da Convenção.

87.  O Tribunal nota que nem o artigo 6º nem qualquer outro artigo da Convenção estabelecem uma obrigação geral de motivar todas as decisões que declarem um recurso extraordinário inadmissível. O direito nacional pode isentar essas decisões da exposição de razões. Todavia, quando, no âmbito do exame de um recurso extraordinário um tribunal nacional se pronucia sobre o fundamento de uma acusação penal e motiva a sua decisão, essa motivação deve estar em conformidade com os critérios impostos pelo artigo 6º em matéria de motivação das decisões judiciais.

88.  No caso em apreço, o Tribunal nota que no seu acórdão de 21 de março de 2012 o Supremo Tribunal de Justiça considerou que à luz do artigo 449º § 1 (g) do Código do Processo Penal, a revisão do acórdão do Tribunal da Relação não poderia ser admitida com base no fundamento invocado pela requerente. O Supremo Tribunal de Justiça considerou que, apesar de a irregularidade processual constatada pelo Tribunal Europeu poder ter impacto na pena aplicada à requerente, não tinha tido uma gravidade suficiente por forma a considerar a condenação incompatível com o acórdão do Tribunal.

89.  O Tribunal observa que as razões fornecidas para justificar a decisão judicial em causa responderam aos principais argumentos invocados pela requerente. De acordo com a interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça ao artigo 449º § 1 (g) do Código do Processo Penal, as irregularidades processuais do tipo da encontrada no caso sub judice não levam a uma reabertura automática do processo.

90.  O Tribunal considera que esta interpretação do direito português aplicável, que limita as situações que podem conduzir à reabertura do processo penal findos, ou que, pelo menos, as sujeita a critérios submetidos à apreciação dos tribunais nacionais, não parece ser arbitrária.

91.  O Tribunal nota que essa interpretação se baseia na sua jurisprudência consolidada, segundo a qual a Convenção não garante o direito à reabertura do processo nem a outro tipo de recurso através do qual uma decisão transitada em julgado possa ser anulada ou revista, e no facto de não que não existe uma abordagem uniforme dos Estados-Membros quanto às modalidades de funcionamento dos mecanismos de reabertura existentes. Para além disso, o Tribunal reafirma que a constatação de uma violação do artigo 6º da Convenção não cria, normalmente, uma situação contínua nem impõe ao Estado demandado uma obrigação processual contínua (contrastar com Jeronovičs c. Letónia [GC], nº 44898/10, § 118, TEDH 2016).

92.  No que concerne a interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça ao acórdão proferido pelo Tribunal em 2011, o Tribunal Pleno enfatiza que nesse acórdão a Câmara tinha considerado que um novo julgamento ou a reabertura do processo, se solicitado, representava “em princípio, um meio apropriado de reparação da violação.” O novo julgamento e a reabertura foram então descritos como uma solução apropriada mas não a necessária nem a única. Para além disso, o uso da expressão “em princípio” relativiza o âmbito da recomendação, sugerindo que, em algumas situações, um novo processo ou a reabertura do processo podem não ser a solução apropriada (ver parágrafo 20 supra).

93.  Uma leitura desta parte do acórdão e das expressões “em princípio” e “todavia” (ver parágrafo 20 supra), em particular, revela que o Tribunal se absteve de dar instruções vinculativas sobre a forma de execução do seu acórdão, optando, em vez disso, por conceder ao Estado uma extensa margem de manobra nesse domínio. Além disso, o Tribunal recorda que não poderia conjeturar sobre o resultado da análise do tribunal nacional sobre a oportunidade de, à luz das circunstâncias específicas do caso, admitir o reexame ou a reabertura do processo (ver Davydov c. Rússia, nº 18967/07, § 29, 30 outubro 2014).

94.  Em conformidade, a revisão do processo não surgia como a única forma de executar o acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011; representava, no mínimo, a opção mais desejável, sendo a sua oportunidade uma matéria de apreciação pelos tribunais nacionais à luz da legislação portuguesa e das circunstâncias particulares do caso.

95.  Na fundamentação do seu acórdão de 5 de julho de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça analisou o conteúdo do acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011. Da sua leitura, inferiu que o Tribunal tinha “desde logo, excluído qualquer possibilidade de que a sua decisão pudesse suscitar graves dúvidas sobre a condenação” (ver parágrafo 26 supra) em razão da ausência da requerente da audiência de recurso. Essa foi a interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez do acórdão do Tribunal. Tendo em conta a margem de apreciação das autoridades nacionais na interpretação dos acórdãos do Tribunal, e à luz dos princípios que regem a execução de acórdãos (ver, mutatis mutandis, Emre c. Suíça (nº 2), nº 5056/10, § 71, 11 de outubro de 2011), o Tribunal não considera necessário pronunciar-se sobre a validade dessa interpretação.

96.  Na verdade, para o Tribunal, é suficiente que o acórdão de 21 de março de 2012 não tenha sido arbitrário, ou seja, que os juízes do Supremo Tribunal de Justiça não tenham distorcido nem desvirtuado o acórdão proferido pelo Tribunal (comparar com Bochan (nº 2), supra citado, §§ 63-65, e Emre (nº 2), supra citado, §§ 71-75).

97.  O Tribunal não pode concluir que a leitura feita pelo Supremo Tribunal de Justiça do acórdão do Tribunal de 2011 tenha sido, na sua globalidade, resultado de um erro factual ou de direito manifesto que resulte em “denegação de justiça”.

98.  Tendo em conta o princípio de subsidiariedade e as formulações utilizadas no acórdão do Tribunal de 2011, o Tribunal considera que a recusa do Supremo Tribunal de Justiça em reabrir o processo, tal como solicitado pela requerente, não foi arbitrária. O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21 de março de 2012 indica de modo suficiente as razões em que se baseia a sua decisão. Essas razões relevam da margem de apreciação das autoridades nacionais e não distorcem as conclusões do acórdão do Tribunal.

99.  O Tribunal frisa que as considerações supra não visam negar a importância de se assegurar que existam procedimentos internos que permitam o reexame de um caso à luz da constatação de violação do artigo 6º da Convenção. Pelo contrário, esses procedimentos devem ser considerados como um aspeto importante da execução dos seus acórdãos e a sua disponibilidade demonstra o compromisso dos Estados Contratantes com a Convenção e com a jurisprudência do Tribunal (ver Lyons e Outros c. Reino Unido (dec.), nº 15227/03, TEDH 2003-IX).

100.  Tendo em conta o referido, o Tribunal conclui que não houve violação do artigo 6º § 1 da Convenção.

II.  ALEGADA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 46º DA CONVENÇÃO

101.  A requerente alegou ainda que a rejeição do pedido de revisão pelo Supremo Tribunal de Justiça também tinha violado o artigo 46º da Convenção devido à falta de implementação de medidas individuais em execução do acórdão do Tribunal de 2011.

102.  O Tribunal reafirma que a questão do cumprimento dos seus acórdãos pelas Alta Partes Contratantes está fora da sua competência, a não ser que essa questão seja suscitada no contexto de um “processo de infração” previsto no artigo 46º §§ 4 e 5 da Convenção (ver Bochan (nº 2), supra citado, § 33).

103.  Desta forma, na medida em que a requerente se queixou por não ter sido remediada a violação do artigo 6º § 1 constatada pelo Tribunal no seu acórdão de 2011, o Tribunal não tem competência ratione materiae para dela conhecer.

 

 

POR ESTAS RAZÕES, O TRIBUNAL

 

1.  Declara, por maioria, admissível a queixa feita no âmbito do artigo 6º da Convenção e a parte restante da queixa inadmissível;

 

2.  Diz, por nove votos contra oito, que não houve violação do artigo 6 º § 1 da Convenção;

Feito em francês e em inglês e proferido em audiência pública realizada no Edifício dos Direitos do Homem, em Estrasburgo, a 11 de junho de 2017.

Françoise Elens-Passos Guido Raimondi
 Secretária Presidente

 

Em conformidade com o artigo 45º § 2 da Convenção e o artigo 74º § 2 do Regulamento do Tribunal, anexam-se a este acórdão as opiniões separadas seguintes:

 

(a) opinião dissidente conjunta dos juízes Raimondi, Nußberger, De Gaetano, Keller, Mahoney, Kjølbro e O’Leary;

(b) opinião dissidente do juiz Pinto de Albuquerque acompanhado pelos juízes Karakaş, Sajó, Lazarova Trajkovska, Tsotsoria, Vehabović e Kūris;

(c) opinião dissidente do juiz Kūris, acompanhado pelos juízes Sajó, Tsotsoria e Vehabović;

(d) opinião dissidente do juiz Bošnjak.

G.R.
F.E.P.

 


OPINIÃO DISSIDENTE CONJUNTA DOS JUÍZES RAIMONDI, NUßBERGER, DE GAETANO, KELLER, MAHONEY, KJØLBRO E O’LEARY

1.  Tendo tomado nota da opinião da maioria, decidimos não a subscrever pelas razões referidas abaixo. Vamos primeiramente examinar o artigo 46º da Convenção por forma a avaliar o seu alcance em relação aos factos específicos do caso (I). De seguida, analisaremos o artigo 6º § 1 da Convenção – que é central nos argumentos da requerente e cuja aplicabilidade à reabertura do processo penal está, de acordo com a jurisprudência consolidada, sujeita a reservas, (II). Finalmente, terminaremos a nossa opinião com uma conclusão (III).

I.  Inadmissibilidade com base na competência do Comité de Ministros

2.  Uma breve recapitulação dos factos do caso: depois de um primeiro acórdão proferido pelo Tribunal em 2011 no qual foi constatada uma violação do artigo 6º § 1 da Convenção por Portugal, a requerente apresentou ao Supremo Tribunal de Justiça um pedido de revisão do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação do Porto com o argumento de que o mesmo era incompatível com o acórdão do Tribunal. Por acórdão de 21 de março de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça rejeitou esse pedido. Com base na recusa de reabertura do processo penal, a requerente introduziu agora uma segunda queixa diante do Tribunal, invocando o artigo 46º da Convenção e alegando uma nova violação do artigo 6º da Convenção.

3. Na nossa opinião, o cerne da questão neste caso está intimamente ligado com a repartição de competências entre o Tribunal e o Comité de Ministros e, por isso, insere-se indiscutivelmente no contencioso referente ao direito institucional. In casu, a queixa contra o Estado Português está claramente fora da competência do Tribunal; devendo, consequentemente, ser declarada inadmissível.

4.  A formulação da disposição fundamental nesta matéria – a saber, o artigo 46º - estipula no seu segundo parágrafo que “a sentença definitiva do Tribunal será transmitida ao Comité de Ministros, o qual velará pela sua execução”. Daqui resulta, inequivocamente, que a formulação do artigo 46º atribui ao Comité de Ministros, enquanto órgão político, competências exclusivas relativas à execução dos acórdãos do Tribunal, estando expressamente autorizado pelo texto de 1959 a assegurar a execução adequada de todos os acórdãos proferidos pelo Tribunal[1]. Assim, a contrario, o Tribunal não está investido de qualquer competência no domínio da execução de acórdãos[2]. Os argumentos mencionados acima sobre a questão da aplicabilidade do artigo 46º da Convenção dão maior apoio àqueles já expressos na opinião dissidente do juiz Malinverni, anexada ao acórdão Verein gegen Tierfabriken Schweiz (VgT) c. Suíça (nº 2) ([GC], 30 de junho de 2009, nº 32772/02, TEDH 2009), e a qual subscrevemos sem reservas. O juiz Malinverni destacou que o artigo 46º § 2 da Convenção conferia ao Comité de Ministros poderes exclusivos de supervisão da execução dos acórdãos do Tribunal. O Tribunal apenas podia intervir se fosse estabelecido que existiam novos factos. EM seguida, precisava que a recusa em reabrir um processo não constituía, em si, um novo facto.

5.  Não queremos ignorar uma série de desenvolvimentos recentes que afetaram as relações entre o Comité de Ministros e o Tribunal; nem desconhecemos que o Tribunal tem desempenhado um papel cada vez mais ativo na execução dos acórdãos[3]. Para além disso, a nova formulação do artigo 46º, tal como introduzida pelo Protocolo Nº 14, que entrou em vigor a 1 de junho de 2010, tende a corroborar a nossa interpretação.

6.  A repartição de competências entre o Comité de Ministros e o Tribunal prevê uma exceção: em consonância com o acórdão VgT (nº 2) supracitado, o nosso Tribunal pode legitimamente analisar uma nova queixa relacionada com as medidas adotadas pelo Estado demandado em execução de um dos seus acórdãos “se essa queixa abranger factos novos e relevantes que afetem questões que não tenham sido decididas no acórdão inicial” (ver §§ 61-63). A competência do Tribunal está, portanto, condicionada ao requisito de existência de novos factos.

7.  Ora, à luz dos princípios que emanam dos acórdãos VgT (no. 2) e Emre c. Suíça (nº 2) (11 de outubro de 2011, nº 5056/10) – que suscitaram críticas[4] – a questão sobre a qual o Tribunal é chamado a pronunciar-se neste caso é essencialmente a mesma que a anterior petição apresentada pela mesma requerente e que esteve na origem do acórdão Moreira Ferreira v. Portugal de 5 de julho 2011, nº 19808/08. Não é possível, a priori, identificar na segunda queixa nenhum facto que a torne distinta da primeira, e no qual a requerente poderia basear as suas alegações. Em particular, seguindo uma jurisprudência consolidada, a recusa das autoridades nacionais em reabrir um processo no seguimento da constatação de uma violação do artigo 6º § 1 da Convenção, tal como proferida pelo Tribunal, não pode ser qualificada como um novo facto (ver Lyons e Outros c. Reino Unido (dec.), 8 de agosto de 2003, nº 15227/03, TEDH 2003-IX). Atendendo às circunstâncias do caso, duvidamos que o acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça Português rejeitando o pedido de reabertura do processo feito pela requerente possa ser assimilado a um novo facto para os efeitos da jurisprudência supracitada.

8.  è ainda possível avançar um duplo argumento que milita contra a competência do Tribunal e a favor da competência do Comité de Ministros. Em primeiro lugar, a supervisão da execução do acórdão Moreira Ferreira c. Portugal estava pendente na altura em que a presente queixa foi introduzida, a 30 de março de 2012. E acima de tudo, o processo de supervisão da execução do acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011 está ainda pendente no Comité de Ministros (a 22 de maio de 2017 o processo estava ainda pendente). É evidente que escapa ao controlo do sendo certo que compete prioritariamente ao Comité de Ministros dar o processo por encerrado.

II.  Inadmissibilidade ratione materiae

9.  Se, apesar dos argumentos mencionados, se persistisse em declarar o Tribunal competente para analisar a presente queixa, haveria então que se proceder, num segundo momento, ao exame no Âmbito do artigo 6º § 1 da Convenção. A nossa posição é a de que essa disposição não pode ser validamente considerada aplicável à revisão de um processo penal.

10.  Para começar, a Convenção não garante o direito à reabertura de um processo judicial findo, seja civil ou penal, tal como o Tribunal teve o cuidado de salientar em várias ocasiões (ver, mais recentemente, Bochan c. Ucrânia (nº 2) GC, nº 22251/08, § 44, TEDH 2015). Mais importante, tal como reconhecido no resumo dos princípios gerais feito nos parágrafos 60 e 61 do presente acórdão, existe jurisprudência consolidada, também ela recentemente confirmada no acórdão do Tribunal Pleno no caso Bochan (nº 2) (§§ 44-45), no sentido de que o recurso extraordinário que visa a reabertura de processos judiciais findos, penais ou civis, não está normalmente abrangido pelo âmbito do artigo 6º § 1. No domínio penal, eis a explicação retirada do parágrafo 61 do acórdão: “o artigo 6º não se aplica a processos que visem a reabertura na medida em que uma pessoa que tenha sido condenada por uma decisão transitada em julgado, e que depois faz esse pedido, não é “acusada de uma infração penal” na aceção desse artigo.” Contudo, a título excepcional, a aplicação do artigo 6º e as garantias aí estabelecidas quanto ao processo equitativo em matéria civil e penal podem ser aplicáveis se, face às características específicas do sistema jurídico nacional em causa, a decisão sobre o pedido extraordinário de reabertura do processo implicar uma “reapreciação completa do litígio” (ver parágrafo 60 (b) e (c) do acórdão).

11.  Na nossa opinião, o presente acórdão é contrário aos princípios que o mesmo enuncia nos seus parágrafos 60 e 61. Fá-lo ao assimilar (i) uma decisão sobre a solidez da condenação depois de esta ter transitado em julgado (o tipo de decisão que um tribunal nacional normalmente profere no âmbito de um recurso extraordinário que visa a reabertura de um processo penal já findo) com (ii) uma pronúncia sobre a “acusação em matéria penal” contra o acusado (matéria do artigo 6º § 1). Confundem-se duas coisas distintas, sendo esta confusão que levou à conclusão alcançada pela maioria de que o artigo 6º § 1 era aplicável ao pedido de reabertura feito pela requerente ao Supremo Tribunal de Justiça português.

12.  Por essa razão, o acórdão (no parágrafo 69, último sub-parágrafo) apoiou-se no facto de que de o direito interno (nomeadamente o artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal – “CPP”) oferecia à requerente um recurso que permitia aos tribunais nacionais analisar a compatibilidade da sua condenação com as constatações deste Tribunal no seu acórdão de 2011, referente à queixa anteriormente introduzida por ela. Se assim é, será sempre também o caso quando um tribunal nacional analisar um recurso extraordinário pelo qual se procure a reabertura de um processo penal findo com fundamento num acórdão proferido por este Tribunal. Não se poderá concluir que, em si, “acusação em matéria penal” contra o interessado seja simultaneamente, de modo excecional, objecto de uma nova decisão quanto ao mérito (“determination of a criminal charge, no texto inglês do artigo 6º § 1). Ainda assim, é isto que a maioria dos nossos colegas subentende nesta parte do seu raciocínio.

13.  A maioria explica que “ao Supremo Tribunal de Justiça compete controlar, face às constatações do Tribunal ou de outra entidade internacional, o andamento e o resultado do processo interno findo, e, quando apropriado, ordenar a revisão do caso por forma a assegurar uma nova pronúncia sobre o fundamento da acusação penal contra a parte lesada” (ver parágrafo 69, segundo sub-parágrafo, do acórdão). Entendemos que aquilo que o Supremo Tribunal de Justiça fez quando analisou o “pedido de revisão” extraordinária feito pela requerente ao abrigo do artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal, foi examinar se a “justiça” da condenação – para utilizar as palavras da decisão do Supremo Tribunal (ver parágrafo 26 do acórdão) – tinha sido afetada pelas falhas processuais identificadas por este Tribunal no seu acórdão de 2011, por forma a que a condenação devesse ser anulada e ordenado um novo julgamento por um tribunal inferior. Seria, após uma decisão positiva do Supremo Tribunal de Justiça ordenando a reabertura, e no âmbito do novo processo ordenado, que a decisão sobre a acusação penal seria por sua vez retomada, suscitando a aplicação do artigo 6º § 1.

14.  Ao assimilar a decisão sobre a solidez ou “justiça” da condenação a uma decisão sobre sobre a acusação em matéria penal inicial, a maioria subverteu, sem o reconhecer, a antiga jurisprudência anterior examinada em detakhe e confirmada pelo Tribunal Pleno, há apenas dois anos atrás, no caso Bochan (nº 2). Falar da “determinação”/ “le bien fondé” da condenação – para utilizar a linguagem do artigo 6º § 1 nas versões inglesa e francesa quanto à decisão sobre a acusação em matéria penal – não é suficiente para eliminar a confusão na lógica (entre segurança da condenação e a decisão sobre a a acusação em matéria penal) em que se baseia a conclusão da maioria. Para utilizar a linguagem da decisão Fischer c. Áustria (dec.), nº 27569/02, TEDH 2003-VI), o procedimento perante o Supremo Tribunal de Justiça português ao abrigo do artigo 449º § 1 (g) do CPP “é introduzido por uma pessoa cuja condenação transitou em julgado e não visa uma decisão sobre uma «acusação em matéria penal’ mas sim sobre à questão de saber se as condições para a realização de um novo julgamento estavam preenchidas”.

15.  A jurisprudência citada nos parágrafos 62 a 64 do acórdão não suscita dúvidas quando à regra geral, anteriormente referida nos parágrafos 60 e 61, da não aplicabilidade do artigo 6º § 1 a recursos extraordinários nem quanto aos precedentes citados no acórdão Bochan (nº 2) como autoridade nessa regra.

16. Desta maneira, o acórdão Nikitin c. Rússia (nº 50178/99, TEDH 2004VIII, §§ 55-57 – citado no parágrafo 62 do acórdão) abordou uma situação diferente da eventual reabertura, em detrimento do acusado, de um processo penal que tinha terminado com uma absolvição. O acórdão terminou com a seguinte afirmação: (§ 60):

“... de acordo com a jurisprudência estabelecida pelos órgãos da Convenção, o artigo 6º não se aplica a processos que concluem pela rejeição de um pedido de reabertura. Apenas o novo processo desencadeado, na sequência de um pedido de reabertura que tenha sido concedido, pode ser considerado como dizendo respeito à acusação em matéria penal”.

Como atrás se explanou (ver parágrafo 13 desta opinião separada), isto coincide com a forma como nós, ao contrário da maioria, analisaríamos o funcionamento do “pedido de revisão” extraordinário diante do Supremo Tribunal de Justiça português no caso em apreço.

17.  De modo semelhante ao acórdão Nikitin c. Rússia, os casos Bujnita c. Moldávia (nº 36492/02, 16 de janeiro de 2007, § 20) e Bota c. Roménia (nº 16382/03, 4 de novembro de 2008, §§ 33-34), também citados no parágrafo 62 do acórdão, diziam respeito à reabertura injustificada de processos criminais em casos em que os tribunais tinham ordenado que a condenação fosse substituída pelo veredito inicial de absolvição do acusado. A maioria não explicou como é que esses casos evidenciam um desvio à regra geral que rege a aplicabilidade do artigo 6º § 1 aos recursos de revisão em que um acusado procure a reabertura de um processo penal findo (seja com fundamento num acórdão deste Tribunal ou não).

18.  A requerente no caso Lenskaya c. Rússia (nº 28730/03, 29 de janeiro de2009, §§ 39-40 – citado no parágrafo 63 do acórdão) tinha sido alegadamente agredida pelo seu marido. Ela reivindicou ter sido vítima, ela própria, de uma violação do artigo 6º § 1 (na âmbito da esfera civil e não da esfera criminal) pelo facto de a decisão de condenação por agressão do marido ter sido anulada e convertida numa absolvição, assim acarretando a rejeição do seu pedido de compensação. O Tribunal considerou “estabelecido que os interesses da justiça exigiam a reabertura e a anulação do acórdão que condenou o marido e atribuiu uma compensação à mulher” (§ 42). Mais uma vez, a questão suscitada (saber se, em resultado do recurso bem sucedido ao processo extraordinário de revisão criminal em causa, a requerente tinha sido privada do seu “direito a um tribunal” nos termos do artigo 6º § 1 na sua vertente civil, em relação ao pedido civil de compensação pela agressão) era distinta da questão da aplicabilidade do artigo 6º § 1 neste caso. É difícil compreender como o raciocínio neste ponto do acórdão Lenskaya altera, de alguma forma, a regra geral de inaplicabilidade do artigo 6º § 1 a pedidos extraordinários através dos quais pessoas condenadas procuram a reabertura de processos penais transitados em julgado. Esta observação também se aplica ao acórdão Giuran c. Roménia (no. 24360/04, 21 de junho de 2011, § 39 – (extratos) 2011-III) (também citado no parágrafo 63 do acórdão), no qual a situação factual em causa e as questões suscitadas no âmbito da Convenção eram semelhantes às do caso Lenskaya.

19.  Os casos Lenskaya e Giuran confirmam que “a Convenção permite, em princípio, a reabertura de acórdãos definitivos para corrigir erros judiciais” (ver Giuran, § 39), apesar de “um dos aspetos fundamentais do estado do direito ser o princípio da segurança jurídica que exige, entre outras coisas, que quando um determinado assunto tiver sido decidido pelos tribunais por um acórdão definitivo, essa decisão não deverá ser questionada” (ver Giuran, § 28). Quanto a este último ponto, o princípio de que a reabertura abusiva de processos penais findos, em detrimento de uma pessoa condenada ou absolvida, infringe os requisitos de estado de direito inerentes ao direito a um processo equitativo (nomeadamente no que diz respeito à definitividade do acórdão proferido no processo primitivo) é ilustrado não só pelos casos Nikitin, Bujnita e Bota, supra referidos, mas também pelos casos citados no final do parágrafo 63 do acórdão (Savinkiy c. Ucrânia, nº 6965/02, 28 de fevereiro de 2006, § 25 – no qual o requerente tinha sido condenado em relação a algumas das acusações contra ele e absolvido em relação a outras; Radchikov c. Rússia, nº 65582/01, 24 de maio de 2007, §§ 45-53 – sobre a anulação de uma absolvição; e Stefan c. Roménia, nº 28319/03, 6 de abril de 2010, § 18 – onde o requerente tinha sido condenado, mas beneficiando de circunstâncias atenuantes).

Destas duas linhas de jurisprudência decorrem critérios que permitem definir quando, excecionalmente, pode ser necessário afastar o princípio de segurança jurídica inerente ao direito a um processo equitativo previsto pelo artigo 6º reabrindo um processo penal para corrigir um erro judiciário. Mas qual é ou não a relevância desses critérios para a aplicabilidade ou inaplicabilidade do artigo 6º à tramitação do “pedido de revisão” no presente caso, pelo qual a requerente procurou, mas sem sucesso, reabrir o processo penal findo?

20. Por outro lado, o caso Yaremenko c. Ucrânia (nº 2) (nº 66338/09, 30 de abril de 2015, §§ 52-56 e 64-67 – também citado no parágrafo 63 do acórdão) apresenta semelhanças com o caso em apreço na medida em que o requerente era uma pessoa condenada que procurou obter a reabertura de um processo penal findo com base num acórdão deste Tribunal que tinha constatado uma violação do artigo 6º em relação ao primeiro processo. O Tribunal, aplicando os princípios afirmados poucos meses antes no acórdão do Tribunal Pleno no caso Bochan (nº 2), confirmou a sua adesão à regra geral de exclusão do processo extraordinário de revisão do âmbito do artigo 6º mas notou que “o novo processo, depois de a reabertura ter sido ordenada, pode ser visto como dizendo respeito ao fundamento de uma acusação penal” (§ 56 – itálicos nossos). Este Tribunal considerou que, ao admitir os pedidos de revisão feitos pelo requerente (em parte) e pelo Ministério Público (na totalidade) e ao excluir alguma prova e ao examinar por si próprio a restante prova, o Supremo Tribunal da Justiça da Ucrânia efetuou uma revisão completa do caso do requerente, tal como no caso Bochan (nº 2), que conduziu a uma nova decisão sobre o mérito. O artigo 6º foi considerado aplicável em virtude desta nova decisão sobre a culpa do requerente com base na prova submetida (§§ 55 e 56). Poderemos reformular esta conclusão dizendo que, de acordo com a legislação nacional em causa, o Supremo Tribunal da Ucrânia procedeu a um reexame completo do caso ao decidir sobre o recurso extraordinário apresentado pelo requerente. O presente acórdão (no parágrafo 63) é enganador na medida em que a sua leitura pode sugerir que foi “a confirmação da condenação, em resultado do processo de revisão, que violou o direito a um julgamento equitativo” que levou à aplicação do artigo 6º.

21.  Em contrapartida, no presente caso, nada permite assimilar o procedimento de revisão no Supremo Tribunal de Justiça português a um novo julgamento do caso penal nem a uma nova decisão sobre a “acusação em matéria penal” inicial contra a requerente, como no caso Yaremenko (nº 2), onde o papel atribuído ao tribunal responsável pela reabertura era de alguma forma diferente nos termos do quadro legislativo nacional aplicável. Voltamos a referir o papel do Supremo Tribunal de Justiça português nesta matéria, tal como sumariado no parágrafo 69, segundo sub-parágrafo, do acórdão (citado no parágrafo 13 desta opinião separada). A “revisão do caso com vista a chegar a uma nova decisã sobre o fundamento da acusação penal contra a parte lesada” é levada a cabo, não pelo Supremo Tribunal no âmbito do “pedido de revisão” extraordinário que lhe é dirigido, mas, subsequentemente, por um outro tribunal, de grau inferior. As garantias processuais do artigo 6º serão, então, aplicáveis ao novo processo subsequente e à nova decisão sobre a “acusação em matéria penal” contra o acusado que sucedeu no seu “pedido de revisão”               \extraordinário. Em síntese, o Supremo Tribunal de Justiça português pode ordenar, mas não realiza ele próprio, o tipo de “reexame” suscetível de convocar a aplicação do artigo 6º.

22.  Por último, a interpretação dada (no parágrafo 64 do acórdão) aos acórdãos Meftah e Outros c. França (GC, nºs 32911/96, 35237/97 e 34595/97, TEDH 2002-VII, § 40) e Morrell e Morris c. Reino Unido (2 de março de 1987, Série A nº 115, § 54) é bastante forçada. Nunca foi seriamente questionado, apesar do argumento infrutífero do Governo demandado no caso Meftah, que os recursos de cassação (appeal on points of law en anglais) em matéria penal como os encontrados em sistemas jurídicos continentais e nos sistemas de common law estão cobertos pelo artigo 6º, dado que fazem claramente parte (parte integrante, podemos dizer) de um processo penal ordinário. Os acórdãos Meftah e Monnell e Morris colocam os tribunais de cassação ao mesmo nível dos tribunais de recurso ordinário no que diz respeito à aplicabilidade do artigo 6º (ver §§ 41 e 54, respetivamente), apesar de a maneira como o artigo 6º é aplicável a estes dois tipos de instâncias estar dependente das suas características específicas (ver §§ 41 e 56, respetivamente). De facto, já em 1970 foi dito no caso Delcourt c. Bélgica (17 de janeiro de 1970, Série A nº 11, § 25) que:

“...A Convenção não obriga os Estados Contratantes a criar tribunais de recurso ou de cassação. No entanto, um Estado que os institua está obrigado a assegurar que os indivíduos beneficiem das garantias fundamentais previstas no artigo 6º diante destes tribunais.”

Com vista á questão da aplicabilidade do artigo 6.º, o Tribunal Pleno, no caso Bochan (nº 2) (§§ 47-49), qualificou como «procedimento de recurso ordinário» os procedimentos ditos “extraordinários” de cassação em matéria penal em malta e em matéria civil na Croácia que tinham sido alvo de análise nos casos San Leonard Boat Club c. Malta (nº 77562/01, TEDH 2004-IX, §§ 41-48) e Maresti c. Croácia (nº 55759/07, 25 de junho de 2009), respectivamente.

23.  Por conseguinte, parece um bocado artificial e indicativo da fragilidade da fundamentação da aplicação do artigo 6º ao presente caso, comparar o recurso de cassação ordinário em matéria penal ao “pedido de revisão” extraordinário do direito português (ver, por exemplo, parágrafo 69, último sub-parágrafo, do acórdão). No que diz respeito ao recurso de cassação em matéria penal, a jurisprudência do Tribunal tem sido clara desde, pelo menos, 1970, no sentido de que devem ser considerados uma parte normal do processo penal e cobertos pelo artigo 6º; enquanto, ao contrário, a regra geral é a de que os procedimentos de revisão extraordinária (depois do trânsito em julgado) – como exemplificado pelo “pedido de revisão” português – estão fora do âmbito de aplicação do artigo 6º.

24.  Assim, quando analisada, a jurisprudência referida nos parágrafos 62 a 64 do acórdão não dá qualquer apoio à ideia de que a regra geral (da não aplicabilidade do artigo 6º § 1 a processos extraordinários) tenha de alguma forma evoluído no sentido de favorecer a aplicabilidade sempre que se possa dizer que o recurso extraordinário envolve uma decisão sobre a segurança, a justiça ou o mérito da condenação (em oposição a uma nova decisão sobre a acusação inicial).

25.  Em suma, a conclusão da maioria (no parágrafo 69, último sub-parágrafo, do acórdão) de que a análise do Supremo Tribunal de Justiça do “pedido de revisão” da requerente no âmbito do artigo 449º § 1 (g) do CPP permitia decidir sobre o fundamento da acusação em matéria penal inicial dirigida contra ela, é dificilmente suportada quer pelo conteúdo das disposições legais portuguesas aplicáveis quer pela anterior jurisprudência deste Tribunal. O argumento de que o artigo 449º § 1 (g) tem traços comuns com o recurso de cassação ordinário não só é exagerado, como se aplicaria à generalidade dos procedimentos de revisão extraordinária na maioria dos países que dão aos arguidos condenados a possibilidade de procurar a reabertura de um processo penal findo – assim revertendo, de forma sub-reptícia, a jurisprudência existente e consolidada sobre esta questão. Essa seria uma maneira pouco judiciosa do Tribunal proceder apenas dois anos depois de ter proferido o acórdão de Tribunal Pleno no caso Bochan (nº 2).

26.  Por estas razões, somos levados a concluir que, mesmo supondo que o Tribunal possa ser considerado competente para conhecer da queixa lugar, o artigo 6º não era aplicável ao procedimento extraordinário de revisão em processo penal em questão no presente caso, com a consequência de que a queixa deveria ter sido declarada inamissível ratione materiae.

III.  Conclusão

27.  Com base nas considerações expostas, votámos contra a admissibilidade da queixa ao abrigo do artigo 6º da Convenção e, consequentemente, pela não violação dessa disposição.

28.  A jurisprudência relacionada com os casos que envolvem o artigo 46º requer alguns esclarecimentos, tendo em conta o seu caráter ambíguo e parcialmente contraditório. Não parece que o Comité de Ministros tenha explorado todo o potencial do artigo 46º § 3, tal como modificado pelo Protocolo Nº 14. Esta versão atualizada do artigo visa clarificar a repartição de competências entre as duas instituições em causa (o Tribunal e o Comité de Ministros).

29.  O que permanece inalterado é que uma queixa individual baseada na não conformidade das sentenças internas com um acórdão do Tribunal Europeu que constatou uma violação deve ser declarada inadmissível ipso facto devido à falta de competência do Tribunal. Ao mesmo tempo, é claro que o papel preponderante do Comité de Ministros no âmbito da execução dos acórdãos do Tribunal não impede, de forma alguma, que o Tribunal analise um pedido sobre as medidas adotadas pelo Estado demandado para se conformar com o acórdão proferido contra ele, desde que esse pedido contenha novas e relevantes informações[5]. Como foi demonstrado, o pedido impugnado não concerne nenhum facto novo mas relaciona-se com a própria execução do acórdão do Tribunal, cuja matéria não cabe, em princípio, na competência do Tribunal.

30.  Para concluir, pareceria justificado que o Tribunal procurasse exercer um grau de influência sobre a execução dos seus acórdãos. O Tribunal pode legitimamente fazê-lo quando for introduzida uma nova queixa que, do ponto de vista substantivo, envolva novos factos que ainda não tenham sido analisados ou quando o Estado demandado tenha cometido uma nova violação. Por outro lado, é igualmente necessário assegurar que o Tribunal não dispersa os seus esforços nem expande o alcance das suas já inúmeras atividades. Deve ser mantido um equilíbrio neste domínio, o que implica o respeito pela repartição de competências, sendo reconhecido, que a proteção dos direitos humanos deve ser prática e eficaz, ou seja, não deve ser nem teórica nem ilusória.


OPINIÃO DISSIDENTE DO JUIZ PINTO DE ALBUQUERQUE ACOMPANHADO PELOS JUÍZES KARAKAS, SAJÓ, LAZAROVA, TRAJKOVSKA, TSOTSORIA, VEHABOVIĆ E KŪRIS

 

Tabela de conteúdos

 

I.  Introdução (§ 1)

Primeira Parte (§§ 2-34)

II.  A competência do Tribunal para impor medidas individuais de reparação de uma violação da Convenção (§§ 2-18)

a.  A cláusula de reabertura (§§ 2-7)

b.  O desenvolvimento de outras medidas individuais (§§ 8-18)

III.  O direito à reabertura do processo penal no seguimento de uma constatação de violação pelo Tribunal (§§ 19-34)

a.  O critério restrito da Recomendação (2000) 2 do Comité de Ministros (§§ 19-27)

b.  O amplo consenso europeu na implementação da Recomendação (§§ 28-34)

Segunda Parte (§§ 35-56)

IV.   A aplicabilidade do artigo 6º aos recursos de revisão extraordinários de revisão penal (§§ 35-44)

a.  A interpretação evolutiva do artigo 6º da Convenção pela maioria (§§ 35-39)

b.  A interpretação errada do direito português pela maioria (§§ 40-44)

V.  A aplicação do artigo 6º da Convenção no presente caso (§§ 45-56)

a.  A interpretação do artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal pelo Supremo Tribunal de Justiça (§§ 45-50)

b.  A interpretação do Supremo Tribunal de Justiça do acórdão Moreira Ferreira (§§ 51-56)

VI.  Conclusão (§§ (57-60)

I.  Introdução (§ 1)

1. O acórdão Moreira Ferreira (nº 2) diz respeito à competência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (o Tribunal) para aplicar medidas individuais, nomeadamente um novo processo, revisão, reexame ou reabertura do processo penal[6], para reparar uma violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (a Convenção), bem como ao valor jurídico dessas medidas. Esta questão complexa será analisada no contexto ainda mais complicado da não execução de um acórdão do Tribunal que continha uma cláusula de reabertura. No caso em apreço, a cláusula de reabertura incluída no acórdão Moreira Ferreira[7] não foi cumprida pelas autoridades nacionais no procedimento de recurso extraordinário de revisão subsequentemente introduzido pela vítima da violação da Convenção. A requerente dirigiu-se uma segunda vez a este Tribunal para apelar à justiça. Infelizmente, foi precisamente isso que a maioria do Tribunal Pleno lhe negou.

Primeira parte (§§ 2-34)

II.  A competência do Tribunal para impor medidas individuais de reparação de uma violação da Convenção (§§ 2-18)

a.  A cláusula de reabertura (§§ 2-7)

2. Ao examinar se o artigo 46º da Convenção impedia que o Tribunal analisasse a queixa no âmbito do artigo 6º, a maioria do Tribunal Pleno reafirmou que o Tribunal não tem competência para ordenar a reabertura do processo mas também admitiu que, em algumas circunstâncias excecionais, a reabertura do processo representa um meio apropriado, ou o mais apropriado, para reparar a violação da Convenção[8]. Tal como vai ser demonstrado, isto constitui uma minimização da rica jurisprudência do Tribunal sobre reparação de violações da Convenção.

3. O Tribunal afirmou repetidamente que os seus acórdãos têm essencialmente natureza declaratória e que, de modo geral, cabe primeiramente ao Estado em causa escolher, sujeito à supervisão do Comité de Ministros, os meios do ordenamento jurídico nacional que serão utilizados para cumprir as suas obrigações nos termos do artigo 46º da Convenção[9]. Quando o ordenamento jurídico do Estado demandado não permite ou só permite de forma imperfeita eliminar as consequências de uma violação da Convenção declarada [10], o Tribunal pode atribuir uma reparação razoável à parte lesada. O princípio subjacente à provisão da reparação razoável é o de que o requerente deve, na medida do possível, ser colocado numa situação equivalente àquela em que se encontraria se a violação não tivesse ocorrido (restitutio in integrum)[11], desde que esses meios sejam compatíveis com as conclusões contidas no acórdão do Tribunal e com os direitos de defesa[12]. A indemnização é compatível com outras medidas de caráter geral ou individual necessárias para pôr fim à violação constatada pelo Tribunal[13].

4. No entanto, o Tribunal também reconheceu que a natureza da violação constatada pode ser tal que não deixa nenhuma escolha real entre as medidas adequadas para a remediar, podendo nesse caso o Tribunal decidir indicar apenas uma dessas medidas como, por exemplo, a restituição de uma parcela de terreno expropriado[14], a devolução de um edifício[15]a libertação de uma pessoa[16], a eliminação de todas as consequências negativas, passadas ou futuras, derivadas de uma sanção disciplinar[17], o levantamento da prisão preventiva e a substituição por outra medida de restrição razoável e menos severa, ou pela combinação de tais medidas[18], a comutação de uma pena de prisão perpétua numa sanção compatível com a Convenção que não exceda os 30 anos de prisão[19], a abertura de uma nova investigação criminal[20] ou o encerramento de uma investigação em curso[21], a obtenção de garantias por parte das autoridade líbias de que os requerentes não seriam sujeitos a um tratamento incompatível com o artigo 3º da Convenção nem seriam repatriados arbitrariamente[22], e a reintegração de uma pessoa no âmbito da função pública[23].

5. A cláusula de reabertura foi formulada pela primeira vez no contexto específico dos casos contra a Turquia sobre a independência e a imparcialidade dos tribunais de segurança nacionais. No âmbito do artigo 41º da Convenção, o Tribunal indicou que “em princípio, a forma de reparação mais apropriada seria a de que o requerente fosse submetido a um novo julgamento, em tempo útil, por um tribunal independente e imparcial”[24]. Esta indicação ficou conhecida como a cláusula Gençel. Foi adotada uma posição semelhante no âmbito do artigo 41º num caso contra a Itália onde a constatação de uma violação das garantias de equidade contidas no artigo 6º não estava relacionada com a falta de independência ou imparcialidade dos tribunais nacionais, mas com a violação do direito do requerente de participar no seu processo[25]. Subsequentemente, a cláusula de reabertura passou a chamar-se cláusula Gençel-Somogyi. É importante notar que, em ambos os casos, a declaração de violação constituiu, em si mesma, reparação razoável suficiente em relação aos danos morais sofridos pelo requerente. No dispositivo não foi feita nenhuma referência a um novo processo nem à reabertura do caso.

6. No caso Öcalan c. Turquia[26], o Tribunal Pleno validou a abordagem geral adotada na jurisprudência citada, mas usando uma terminologia diferente e num quadro normativo diferente. Considerou, no âmbito do artigo 46º da Convenção, que sempre que um indivíduo, como no caso presente, tenha sido condenado por um tribunal que não tenha respeitado os requisitos de independência e imparcialidade exigidos pela Convenção, “um novo processo ou a reabertura do caso, a requerimento do interessado, representava, em princípio, um meio apropriado de reparar a violação” (a chamada cláusula Öcalan)[27]. Acrescentou, contudo, que as medidas reparadoras específicas exigidas ao Estado demandado para cumprir as suas obrigações por força do artigo 46º da Convenção, se as houvesse, dependem das circunstâncias particulares do caso individual e devem ser determinadas à luz do acórdão do Tribunal proferido nesse caso, e no respeito pela jurisprudência do Tribunal acima referida. O Tribunal defendeu, igualmente, que as suas constatações de violação dos artigos 3º, 5º e 6º da Convenção constituíam, em si mesmas, reparação razoável por qualquer dano sofrido pelo requerente[28].

7. No acórdão Verein gegen Tierfabriken VgT (Nº 2), o Tribunal Pleno explicou o significado da cláusula Öcalan em detalhe. A ideia central que ressalta deste acórdão do Tribunal Pleno é a de que a reabertura do processo interno é um “meio privilegiado” para a boa execução dos acórdãos do Tribunal e deve ser conforme às “conclusões e espírito do acórdão em execução”[29]. O Tribunal assumiu a sua competência inerente (implícita) para examinar as medidas tomadas pelas autoridades nacionais na sequência do primeiro acórdão Verein gegen Tierfabriken, com o argumento de que se o Tribunal não as pudesse examinar, escapariam a qualquer controlo nos termos da Convenção. Consequentemente, a competência do Tribunal abrange, de acordo com a lógica estabelecida no acórdão Verein gegen Tierfabriken Schweiz (VgT) (Nº 2), não só as medidas tomadas pelas autoridades nacionais em conflito com a cláusula de reabertura como também, a fortiori, a não reabertura por estas do processo criminal[30].

b.  O desenvolvimento de outras medidas individuais (§§ 8-18)

8. A jurisprudência do Tribunal evoluiu rapidamente, abrangendo outras matérias e domínios do direito. O resultado é o de que a competência do Tribunal para ordenar um novo processo ou a reabertura de um processo está agora bem consolidada. Aliás, a cláusula de reabertura que tem sido aplicada no seguimento da constatação de uma violação do artigo 6º com base em ofensas ao direito de acesso a um tribunal[31], do direito de ser julgado por um tribunal estabelecido pela lei[32], do princípio da imparcialidade e da independência do tribunal[33], do direito a participar no processo[34], do direito a interrogar testemunhas[35], do direito a ser ouvido pessoalmente[36], do direito a ser informado de modo detalhado da acusação[37], do direito a ter tempo e meios para preparar a sua defesa em tempo útil[38], do princípio do contraditório e da igualdade de armas[39], do direito a assistência por defensor[40], do princípio a um processo equitativo, incluindo a proibição de emboscada policial[41], e do direito a uma decisão motivada[42].

Para além dos casos de artigo 6º, a cláusula foi usada em casos de artigo 2º[43] e artigo 7º[44]. Adicionalmente, a cláusula foi alargada aos casos civis, administrativos e fiscais[45]. O critério para a aplicação da cláusula de reabertura aos casos de natureza não penal nem sempre foi clara, tendo o Tribunal por vezes recusado aplicá-la apesar do pedido explícito do requerente[46]. Como resultado, os requerentes não tiveram outra escolha se a não ser a de se dirigirem de novo ao Tribunal no quadro dum contencioso internacional, que exige tempo e dinheiro, quando os Estados demandados não respeitaram as conclusões iniciais do Tribunal.

9. Tendo em consideração o exposto, afirmar, como a maioria fez no presente acórdão, que estes são casos excecionais subestima de forma indevida a rica jurisprudência do Tribunal. Para além disso, a maioria não analisa completamente a natureza, o alcance e o efeito da cláusula de reabertura. Os parágrafos 49 a 51 do acórdão simplesmente omitem essa avaliação, limitando-se a fazer uma descrição geral e parcial da jurisprudência do Tribunal.

10. Por regra, o Tribunal refere-se à cláusula de reabertura como relevando dos “princípios” mas em algumas situações menciona-a como uma “regra”[47], equiparando princípios jurídicos e regras. O novo processo ou a reabertura do processo também já foram mencionados sem qualificação como “princípio” ou “regra”, porque constituem “a reparação mais adequada nas circunstâncias do caso”[48].

11. Contrariamente aos primeiros acórdãos, a cláusula Öcalan tem sido usada no contexto do artigo 41º[49] e a cláusula Gençel no contexto do artigo 46º[50]. Em casos menos frequentes, tem sido inserida uma cláusula de reabertura específica na parte dispositiva do próprio acórdão. Por exemplo, no caso Lungoci, o Tribunal ordenou no dispositivo que o Estado demandado reabrisse o processo interno no prazo de seis meses a contar da data em que o acórdão se tornasse definitivo, se o requerente o solicitasse[51]. No caso Maksimov, o Tribunal afirmou no dispositivo que “o Estado demandado deve adotar todas as medidas para reabrir o recurso de cassação previsto pela lei provisória”[52]. Noutros casos, o Tribunal não ordenou a reabertura do caso na parte dispositiva mas antes a produção do efeito jurídico considerado como “forma mais adequada de reparação” como, por exemplo, a restituição total do título de propriedade que o requerente detinha de um apartamento e a anulação da ordem de despejo[53]. Neste tipo de casos, o Tribunal ordenou, no âmbito do artigo 41º, a revogação da ordem de despejo emitida pelos tribunais nacionais conjuntamente com o pagamento de uma indemnização. Se o apartamento já não pertencia ao Estado, ou se tivesse sido de alguma forma alienado, o Estado demandado teria de assegurar que a requerente receberia um “apartamento equivalente”[54]. Noutros casos, o Tribunal determinou, no dispositivo do acórdão, que em acumulação com a atribuição de reparação razoável pelo Tribunal, a decisão judicial interna deveria ser cumprida e produzir o seu verdadeiro efeito[55].

12. No caso Laska e Lika, o Tribunal foi mais longe e considerou, no âmbito do artigo 46º da Convenção, que incumbia ao Estado demandado a obrigação positiva de “remover qualquer obstáculo existente no seu ordenamento jurídico nacional à reparação adequada da situação do requerente (...) ou introduzir um novo recurso” para a reabertura de casos, tendo em conta a inexistência desse recurso no direito nacional[56]. Mais precisamente, o Tribunal não se limitou a recordar que os Estados Contratantes têm o dever de organizar os seus sistemas judiciais por forma a permitir que os seus tribunais respeitem os critérios da Convenção; pelo contrário, acrescentou, de forma inovadora, que este princípio também se aplica à reabertura do processo e à revisão do caso do requerente. Contudo, essa imposição não foi repetida no dispositivo que se referiu à atribuição de danos morais, mas não à reabertura do processo[57].

13. No caso M.S.S., tendo em conta as circunstâncias particulares do caso e a necessidade urgente de pôr fim à violação dos artigos 13º e 3º da Convenção, o Tribunal considerou que “incumbia à Grécia proceder, sem demora, a uma análise do mérito do pedido de asilo feito pelo requerente que respeitasse os requisitos da Convenção e, na pendência desse exame, abster-se de expulsar o requerente”[58]. Ora, nenhuma destas medidas individuais foi, contudo, incluída no dispositivo do acórdão.

14. A jurisprudência também tem sido flutuante no que diz respeito à acumulação da reparação razoável com a cláusula de reabertura. Apesar de nem no acórdão Gençel nem no acórdão Öcalan ter sido concedida uma reparação razoável, o Tribunal tem ordenado cumulativamente a reparação razoável e a cláusula de reabertura na grande maioria dos casos[59]. De forma menos frequente, rejeita o pedido de reparação razoável por causa da cláusula de reabertura[60] ou aplica-as alternativamente[61]. As razões para essa escolha não são óbvias.

15. Ocasionalmente, o Tribunal menciona apenas a existência de um mecanismo nacional de revisão das sentenças internas, por vezes para além da concessão de reparação razoável[62], e outras vezes na sua ausência[63].

16. Resumindo, as medidas individuais podem ser impostas pelo Tribunal de acordo com um dos três tipos de solução seguintes:

 

A. Obrigações impostas na parte dispositiva:

 

  1. A obrigação de produzir um determinado efeito real “o mais cedo possível” ou “imediatamente” (a solução Assanidze);
  2. A obrigação de revogar a decisão judicial interna e de produzir um efeito jurídico específico que seja “o meio de reparação mais apropriado” dentro de um determinado prazo, tal como três meses depois de o acórdão se ter tornado definitivo (a solução Gladysheva);
  3. A obrigação de executar uma decisão judicial interna e de produzir os seus efeitos concretos, sem prazo específico (a solução Plotnikovy-Gluhaković).

 

B. Obrigações que apenas figuram na fundamentação:

 

  1. A obrigação de proferir, “sem demora”, uma decisão judicial a nível nacional que “cumpra os requisitos da Convenção” e abster-se de qualquer ação até que essa decisão seja proferida (a solução M.S.S.);
  2. A obrigação de adotar a medida individual específica que é “inevitável” e que “deve ser determinada” de acordo com certos imperativos estabelecidos pelo acórdão do Tribunal (a solução Abuyeva);
  3. A obrigação de adotar a medida individual específica em conjugação com as medidas de caráter geral necessárias à sua implementação, sem qualquer demora (a solução Laska e Lika);
  4. A obrigação de adotar a medida individual específica que “constitui a reparação mais adequada nas circunstâncias do caso” (a solução Vojtěchová);
  5. A obrigação de adotar a medida individual específica que é “em princípio, a forma de reparação mais adequada” (a solução Gençel-Somogyi);
  6. A obrigação de, a pedido do interessado, adotar a medida individual específica que «representa, em princípio, um meio adequado para reparar a violação constatada” (a solução Öcalan-Sejdovic).

 

C. Outras medidas individuais que figuram na fundamentação:

 

  1. A obrigação de adotar “todas as medidas possíveis” (não especificadas) para reparar as consequências de qualquer dano passado ou futuro causado pela violação da Convenção (a solução Maestri);
  2. A obrigação (de meios) de adotar “todas as medidas” para obter uma garantia de um Estado terceiro que não seja parte na Convenção (a solução Hirsi);
  3. A possibilidade (implícita) de fazer uso dos recursos internos mencionados na fundamentação.

17. À luz destas considerações, é inegável que, na longa prática do Tribunal, as obrigações impostas na parte dispositiva e as incluídas apenas na parte da fundamentação do acórdão têm a mesma força jurídica, apesar da diferente formulação que lhes é dada. A cláusula de reabertura é um meio essencial para a execução dos acórdãos do Tribunal, cuja força jurídica não depende do facto de estar inserida na parte da fundamentação ou no dispositivo. Concluir de forma diferente significaria que a linguagem dos acórdãos é ditada por mudanças de humor fantasistas ou, pior ainda, por considerações políticas. A escolha das formulações nos acórdãos do Tribunal não é uma questão de gosto do relator nem da política da secção determinada pela necessidade de conferir um tom mais ou menos enfático à medida individual em função daquilo que se espera do Estado demandado quanto a seguir ou não a medida em questão.

18. Em suma, o artigo 46º da Convenção prevê que, quando apropriado, os acórdãos do Tribunal produzam efeitos jurídicos individuais e obrigatórios no ordenamento jurídico do Estado demandado e permite nomeadamente ordenar a realização de um novo julgamento, revisão ou reabertura do processo penal. A cláusula Öcalan deve ser lida de forma coerente e consistente à luz da jurisprudência evolutiva do Tribunal. Como será demonstrado, a diversidade de fórmulas encontradas na jurisprudência não levanta apenas um problema de legibilidade do acórdão e, consequentemente, de segurança jurídica, como também compromete a execução completa e efetiva dos acórdãos do Tribunal. Infelizmente, o presente acórdão não fornece a orientação necessária nesta matéria, em termos de colocar em perspetiva a cláusula Öcalan como critério da riquíssima jurisprudência do Tribunal sobre medidas individuais de reparação de uma violação da Convenção e de reafirmar o seu valor jurídico.

III.  O direito à reabertura do processo penal no seguimento de uma constatação de violação pelo Tribunal (§§ 19-34)

a.  O caráter restrito da Recomendação Nº (2000) 2 do Comité de Ministros (§§ 19-27)

19. A maioria do Tribunal Pleno recusa o direito de reabertura do processo penal no seguimento de uma constatação de violação pelo Tribunal, uma vez que não existe uma “abordagem uniforme entre os Estados Contratantes.” Na análise feita à implementação da Recomendação Nº (2000) 2 sobre a revisão ou a reabertura de certos processos a nível nacional no seguimento de um acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (daqui em diante “Recomendação”), a maioria conclui que “na maioria desses Estados a reabertura do processo não é automática e está sujeita a critérios de admissibilidade”[64]. No seu acórdão de 27 de maio de 2009, o Supremo Tribunal de Justiça também interpretou, por uma maioria de dois votos contra um, o artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal à luz da Recomendação nº (2000) 2 do Comité de Ministros, tendo em conta o seu conteúdo exato[65].

Tendo em conta que tanto a maioria do Tribunal Pleno como a maioria do Supremo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 27 de maio de 2009 se basearam nos critérios extraídos da Recomendação Nº (2000) 2 do Comité de Ministro como ponto de partida para a sua própria fundamentação, torna-se necessário analisar essa Recomendação e a forma como tem sido implementada pelas Partes Contratantes na Convenção.

20. A Recomendação do Comité de Ministros afirma que “em situações excecionais, a revisão de um caso ou a reabertura de um processo provou ser o meio mais eficaz, se não o único, de alcançar a restitutio in integrum”. Adicionalmente, o Comité de Ministros encoraja as Partes Contratantes na Convenção a prever a reabertura de um processo interno no caso de existir uma violação substantiva ou processual da Convenção. Em ambos os casos, a vítima da violação de direitos humanos deve ainda estar a sofrer consequências negativas graves na altura em que o Tribunal declarou a violação, sendo que estas consequências só podem ser remediadas através da reabertura do processo. Quando um acórdão do Tribunal determinar que houve um vício ou um erro processual, a reabertura do caso também está dependente da gravidade do erro ou do vício e do caráter sério da dúvida que incide sobre o resultado do processo nacional.

21. A diferença de regime entre violação material e processual da Convenção para o efeito da reabertura do processo interno cria uma insegurança indesejada. Considerando o facto de que o Tribunal nem sempre distingue entre violação material e processual, optando por declarar uma violação global, não será sempre claro qual o critério a aplicar: um critério mais estrito após a constatação de uma violação processual, ou o critério menos estrito após a constatação de uma violação material?

22. Para além disso, a reabertura do caso só deve ser permitida quando duas condições cumulativas forem satisfeitas: a persistência das consequências negativas graves e a impossibilidade de as remediar através da reparação razoável. Nenhuma destas condições figura do artigo 4º § 2 do Protocolo nº 7. É difícil compreender por que é que a reabertura no seguimento da constatação de uma violação da Convenção num acórdão do Tribunal deve estar sujeita a critérios mais restritivos do que os estabelecidos no artigo 4º § 2 do Protocolo nº 7 para qualquer outro procedimento de reabertura interna.

23. Além do mais, o requisito de que as consequências da violação da Convenção “não podem ser reparadas adequadamente pela reparação razoável e (...) só podem ser modificadas pelo reexame ou pela reabertura” estabelece uma relação de subsidiariedade entre a reabertura do processo interno e a reparação razoável. Em consequência, deve ser dada preferência, sempre que possível, à reparação razoável sobre a reabertura do processo interno. Esta regra da subsidiariedade da reabertura está em contradição com o artigo 41º da Convenção. De acordo com esta disposição, o Estado demandado deve fazer o seu melhor para oferecer uma reparação completa (e não uma “reparação parcial”) para uma violação da Convenção que tenha sido constatada [pelo Tribunal] – preferencialmente através da restitutio in integrum, o que implica pôr termo às consequências jurídicas e materiais do facto ilícito, reestabelecendo a situação que existiria se o ato não tivesse sido cometido e, para esse efeito, reabrindo o processo nacional de onde resultou o ato ilícito[66]. A compensação pode, certamente, acrescer à restituição na hipótese de o dano não poder ser reparado por esta[67] - mas não ser fixada como uma alternativa à restituição e muito menos como uma alternativa preferível. Do ponto de vista lógico, a Recomendação reverte a ordem lógica de preferência determinada pelo artigo 41º da Convenção. Em última análise, os termos restritos da Recomendação não estão conformes aos princípios de direito internacional segundo os quais um Estado responsável por um ato ilícito está obrigado a proceder, na medida do possível, à restituição e que a compensação só pode ser tida em conta depois de se concluir, por uma razão ou outra, que a restituição não pode ter lugar[68].

24. Pior ainda, as condições da Recomendação subentendem que as violações de direitos humanos podem ser “compradas”. Os Governos poderiam evitar a reabertura do processo nacional mediante o pagamento de uma compensação pela violação constatada por um acórdão do Tribunal, independentemente da natureza do direito ou da liberdade protegida pela Convenção.

25. Para além disso, a condição da “persistência do dano” contradiz a lógica do recurso extraordinário para efeitos de reabertura do processo interno. Na maioria dos Estados-Membros, a reabertura do caso é permitida mesmo quando a pena já tenha sido cumprida ou até quando a pessoa condenada já tenha morrido.

26. Além do mais, o requisito da “persistência do dano” é extremamente restritivo na medida em que exige “um nexo de causalidade direta entre a violação constatada e as graves consequências que a parte lesada continue a sofrer”[69] e “consequências negativas muito graves resultantes da decisão interna”. É duvidoso que estas “consequências negativas muito graves” incluam a inscrição da condenação no registo criminal de uma pessoa[70], o pagamento de uma multa em prestações[71] ou a imposição de restrições à vida social e profissional do condenado através de uma pena suspensa, da suspensão do pronunciamento da pena ou da liberdade condicional. Quando a violação da Convenção ocorre no âmbito do processo penal, pode ter impacto na condenação ou na pena. Colocar o requerente na posição em que estaria se não tivesse ocorrido a violação da Convenção pode implicar a revisão da condenação e da pena ou apenas da pena, independentemente da gravidade da mesma.

b.  O amplo consenso europeu na implementação da Recomendação (§§ 28-34)

 28. Na grande maioria dos Estados-Membros, a legislação nacional prevê explicitamente o direito a pedir a revisão ou a reabertura do processo penal com fundamento na declaração de uma violação pelo Tribunal ou com base num acórdão dum tribunal internacional, o que inclui este Tribunal[72]. É esse o caso do artigo 30º bis da Lei Transitória em matéria de processos judiciais de Andorra e do artigo 19º bis da Lei de Justiça;[73] dos artigos 363º (a) a 363º (c) do Código de Processo Penal da Áustria[74]; dos artigos 442º bis e 442º quinquies do Código de Instrução Criminal da Bélgica e do artigo 116º da Lei de 5 de fevereiro de 2016[75]; do artigo 327º § 1 (f) do Código de Processo Penal da Bósnia e Herzegovina[76], do artigo 422º § 1 (4) do Código de Processo Penal da Bulgária; do artigo 502º do Código de Processo Penal da Croácia[77]; do artigo 119º da Lei do Tribunal Constitucional da República Checa[78]; da Lei Cipriota nº 23(I)/2015 de 25 de fevereiro de 2015[79]; do artigo 457º § 1 (b) do Código de Processo Penal holandês[80]; do artigo 367º § 7 do Código de Processo Penal da Estónia; do artigo 622º-1 do Código de Processo Penal francês[81]; do artigo 310º (e) do Código de Processo Penal da Geórgia[82]; do artigo 359º § 6 do Código de Processo Penal alemão[83]; do artigo 525º § 1 (e) do Código de Processo Penal da Grécia[84]; do artigo 416º § 1 (g) do Código de Processo Penal da Hungria[85]; do artigo 655º § 2 (5) da Lei sobre processo penal da Letónia[86]; do artigo 456º do Código de Processo Penal da Lituânia[87]; do artigo 443º § 5 do Código de Processo Penal do Luxemburgo[88]; do artigo 449º § 1 (6) da Lei de Processo Penal da antiga República Jugoslava da Macedónia; do artigo 508º § 4 do Código de Processo Penal do Mónaco; do artigo 464º do Código de Processo Penal da Moldávia[89]; do artigo 424º § 6 do Código de Processo Penal do Montenegro; do artigo 391º § 2 Lei sobre processo penal da Noruega[90]; do artigo 540º § 3 do Código de Processo Penal da Polónia[91]; do artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal português; do artigo 465º do Código de Processo Penal romeno[92]; artigo 200º do Código de Processo Penal de San Marino[93]; artigo 394º §§ 1-3 do Código de Processo Penal da Eslováquia[94]; artigo 954º § 3 do Código de Processo Penal espanhol[95]; do artigo 122º da Lei Federal de 17 de junho de 2005 do Tribunal Federal da Suíça[96]; do artigo 311º (f) do Código de Processo Penal da Turquia[97] e do artigo 445º do Código de Processo Penal da Ucrânia[98].

Apenas em dois Estados-Membros, Azerbaijão[99] e Rússia[100], a existência de disposições explícitas sobre a reabertura do processo penal com base num acórdão do Tribunal não confere um direito individual da pessoa condenada à reabertura.

29. Em certos Estados-Membros a ausência de uma disposição que permita expressamente a reabertura do processo penal com base num acórdão do Tribunal tem sido mitigada pela interpretação dinâmica das normas gerais sobre revisão estabelecidas no Código de Processo Penal ou na lei processual: é o caso da Albânia[101], da Dinamarca[102], da Finlândia[103], da Islândia[104], da Irlanda[105], da Itália[106], da Suécia[107] e do Reino Unido[108].

Em Malta, é possível solicitar a reabertura do processo com base no artigo 6º da Lei sobre a Convenção Europeia, que permite ao Tribunal Constitucional executar todos os acórdãos do Tribunal que sejam objeto de uma declaração feita pelo Governo maltês em conformidade com o artigo 46º da Convenção. Para além disso, o Primeiro-Ministro pode, ex officio ou a pedido da pessoa condenada “com base numa acusação”, remeter um caso ao Tribunal de recursos penais. Nesse caso, esse tribunal deve tratar o recurso como se fosse um recurso da pessoa condenada para esse tribunal e, presumivelmente, esse tribunal pode ter em consideração qualquer declaração de violação da Convenção pelo Tribunal ao decidir sobre a necessidade de anular a condenação e de ordenar um novo julgamento. Todavia, estes mecanismos (execução pelo Tribunal Constitucional e envio do caso ao Tribunal de recursos penais pelo Primeiro-Ministro) nunca foram usados[109].

Na Sérvia, o artigo 473º do novo Código de Processo Penal poderá permitir a reabertura do processo penal com base num acórdão do Tribunal se no futuro esse motivo for visto como um “facto novo” ou “nova prova”, pese embora ainda não tenha sido utilizado[110]. O mesmo acontece na Arménia[111] e na Eslovénia[112].

30. Por último, o Liechtenstein é o único Estado-Membro onde a reabertura ou a revisão de uma condenação penal com base num acórdão proferido pelo Tribunal não são permitidas. A inexistência deste direito é justificada pelos conceitos jurídicos de res judicata e de segurança jurídica[113].

31. A reabertura está, por vezes, sujeita a condições específicas em conformidade com os critérios enumerados na Recomendação Nº (2000) 2 do Comité de Ministros (II [i] e [ii]). Alguns Estados-Membros exigem que a pessoa condenada continue a sofrer as consequências negativas da violação constatada pelo Tribunal ou os efeitos da condenação (Bélgica, França, República da Moldávia, Mónaco, Portugal[114], Roménia, Federação Russa[115], San Marino, Eslováquia, Espanha e Suécia[116]). Noutros Estados-Membros, não se exige condição de causalidade efetiva entre a violação e o dano causado pela decisão interna, sendo suficiente um nexo potencial. Por exemplo, alguns Estados exigem além do mais, para a reabertura, que a decisão nacional esteja “baseada” na violação constatada pelo Tribunal (Bósnia e Herzegovina, Alemanha e Montenegro), que a violação tenha “uma importância essencial para o litígio” (Bulgária) ou que se possa supor que um novo julgamento conduzirá a uma decisão diferente (Noruega). Outros parecem ter um critério menos restritivo, exigindo apenas que não possa ser excluído que a violação possa ter afetado o conteúdo da decisão nacional de maneira prejudicial para a pessoa em causa (Áustria) ou que a constatação de violação tenha afetado o resultado do caso (Estónia). Em relação às violações da Convenção ocorridas no decurso do processo interno, a reabertura em alguns Estados só é permitida nas situações em que o vício processual suscite dúvidas quanto ao resultado do processo em causa (Bélgica, Lituânia, Noruega e Polónia). No Reino Unido, a Comissão de controlo de processos penais (Criminal Cases Review Commision) remete o caso para o Tribunal de recursos penais quando considerar “que não existe uma possibilidade real de que a condenação não seja confirmada” (i.e. a possibilidade real de a condenação ser anulada pelo tribunal de recurso). Em Malta, se o Primeiro-Ministro remeter o caso ao Tribunal de recursos penais, este último pode ordenar a realização de um novo julgamento com base numa irregularidade ocorrida durante o processo ou com base numa interpretação ou aplicação errónea da lei susceptíveis de influir no veredito inicial, “se ao tribunal parecer que os interesses da justiça assim o exigem”.

A legislação de outros Estados-Membros exige que os efeitos da violação constatada só possam ser eliminados pela revisão ou pela reabertura, sendo, uma ou outra, necessárias para reparar esses efeitos ou que não possam ser reparados por uma compensação nem pela reparação razoável (Andorra, Bélgica, Estónia, França, Itália, Lituânia, República da Moldávia, Mónaco, Holanda, Noruega, Portugal[117], Roménia, San Marino, Eslováquia, Espanha e Suíça). No Montenegro, é suficiente que a reabertura do processo possa reparar a violação constatada pelo Tribunal. Na Suécia, a jurisprudência nacional estabelece que a reabertura pode ser ordenada nas situações em que seja considerada uma medida mais adequada do que as outras medidas disponíveis.

Noutros Estados-Membros, a legislação prevê dois tipos de condições (reabertura como o único meio de reparação dos efeitos da violação e a persistência das consequências negativas da violação) que devem ser verificadas cumulativamente (Bélgica, França, República da Moldávia, Mónaco, Portugal, Roménia, San Marino, Eslováquia e Espanha).

32. No que diz respeito ao tipo de violação constatada pelo Tribunal, a maioria dos Estados-Membros não faz nenhuma distinção entre casos em que o processo em causa não tenha sido equitativo (violação do artigo 6º) e casos em que o resultado do processo ou a decisão de fundo sejam contrários à Convenção (por exemplo, ao artigo 10º). Algumas legislações fazem uma referência explícita aos dois tipos de violação, em conformidade com a Recomendação nº (2000) 2 do Comité de Ministros (Bélgica, Grécia, Hungria, Noruega e Polónia), mas apenas três delas estabelecem regras diferentes segundo a natureza da violação (Bélgica, Noruega e Polónia).

33. Num certo número de Estados têm tido lugar casos de reabertura. Nos casos em que o Tribunal constatou violações do artigo 6º, as reaberturas conduziram à anulação da decisão interna inicial e ao reexame do caso, e depois à retificação dos vícios identificados pelo Tribunal com o mesmo resultado (condenação) ou resultado diferente (ex. absolvição). Estes casos dizem respeito a diferentes tipos de violação no âmbito do artigo 6º, incluindo violações do princípio da segurança jurídica[118], do direito a ter uma decisão fundamentada[119], do direito a uma audiência pública e a que prova seja analisada diretamente pelo tribunal de julgamento[120], dos direitos de defesa previstos no artigo 6º § 3 (d)[121], do direito a um processo equitativo em caso de emboscada policial[122] e o direito a ser presumido inocente[123], entre outros.

Um sinal preocupante da indiferença dos tribunais nacionais em relação aos acórdãos do Tribunal que constatam uma violação da Convenção é a ausência, ou a escassez, de uma prática judicial de reabertura de processos criminais com base num acórdão do Tribunal verificadas em alguns ordenamentos jurídicos, tais como a Arménia, a Dinamarca, a Irlanda, Malta, San Marino e a Sérvia. A situação é ainda mais preocupante na Rússia e no Azerbaijão, onde as vítimas de violações de direitos humanos nem sequer têm direito à reabertura do processo. Esta situação contrasta com a abertura relativamente aos acórdãos do Tribunal revelada por outros ordenamentos jurídicos como a Albânia, Bélgica, França, Geórgia, Grécia, Lituânia e Moldávia.

34. Em suma, existe um consenso europeu sobre o direito individual à reabertura do processo penal com base na constatação de uma violação pelo Tribunal, havendo apenas três Estados que se desviam desta solução[124]. Adicionalmente, uma pequena minoria de Estados-Membros estabelece que os efeitos da violação constatada só podem ser eliminados através da reabertura e, uma minoria ainda mais pequena estabelece que a pessoa condenada deve continuar a sofrer as consequências negativas da violação constatada pelo Tribunal. Apenas nove Estados estabelecem os dois critérios de admissibilidade materiais.

Em conformidade, as conclusões de direito comparado extraídas pela maioria, tal como expressas nos parágrafos 34 a 39 do acórdão, não refletem a situação real. O deficiente método de análise de direito comparado utilizado pela maioria, baseado numa abordagem estritamente descritiva, pode ser criticado por duas razões principais: em primeiro lugar, não identificou de forma adequada o objetivo da comparação (porquê comparar, para que efeito) e, consequentemente, fracassou ao determinar as fontes adequadas e o nível de comparação (o que comparar e como comparar). A exaustão da comparação também deixa muito a desejar, uma vez que a maioria adotou uma abordagem puramente descritiva e quantitativa dos elementos disponíveis, sem qualquer análise das diferenças e das especificidades dos ordenamentos jurídicos nacionais, incluindo a jurisprudência dos tribunais nacionais competentes e a prática de outras autoridades políticas e administrativas competentes. Uma metodologia tão deficiente só pode levar a uma deturpação do consenso europeu.

Segunda parte (§§ 35-56)

IV.   A aplicabilidade do artigo 6º aos recursos extraordinários de revisão em processo penal (§§ 35-44)

a.  A interpretação evolutiva do artigo 6.º da Convenção pela maioria (§§ 35-39)

35. De acordo com a visão tradicional de que o artigo 6º § 1 da Convenção não garante o direito à reabertura do processo[125], a posição do Tribunal tem sido a de que não tem competência ratione materiae em relação a queixas relacionadas com recursos extraordinários que visem a reabertura do processo penal uma vez que se prendem com uma fase do processo em que o acusado já não pode ser considerado como sendo objecto de uma “acusação de uma infração criminal”.

36. Em 2015, o Tribunal deu um passo em frente no âmbito do direito civil ao admitir que o artigo 6º não é normalmente aplicável a recursos extraordinários que visem a reabertura de um processo judicial findo, a não ser que a natureza, o âmbito e as características específicas do procedimento no ordenamento jurídico em questão sejam de tal ordem que o façam incluir no âmbito do artigo 6º § 1 e das garantias de processo equitativo que este oferece aos litigantes[126]. Esta jurisprudência do Tribunal Pleno foi utilizada no mesmo ano de 2015 num caso penal[127], no qual o Tribunal considerou que o Supremo Tribunal de Justiça, ao excluir a confissão feita pelo requerente, na ausência do seu advogado, do conjunto de prova e ao reexaminar a prova restante, no seguimento de um acórdão prévio do Tribunal, para concluir com a manutenção da condenação do requerente, tinha procedido à revisão do caso do requerente. O Tribunal equiparou a situação jurídica em que o requerente se encontrou àquela em que o requerente no caso Bochan (nº 2) se encontrava. O Tribunal concluiu, a esse respeito, que o artigo 6º se aplicava uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça tinha reexaminado as pretensões do requerente com base em novos fundamentos relacionados com a sua interpretação do acórdão do Tribunal, apesar de não ter alterado o resultado do caso. Desta forma, o processo em questão dizia respeito à decisão sobre uma acusação em matéria penal contra o requerente, na aceção do artigo 6º da Convenção. Um tal reexame constituiu um facto novo no contexto de uma nova queixa que pode ser analisada pelo Tribunal.

37. De acordo com o presente acórdão, o artigo 6º da Convenção é aplicável aos recursos extraordinários para a reabertura do processo penal sempre que o tribunal de recurso seja chamado a decidir sobre uma acusação penal[128]. Em última instância, esta interpretação evolutiva do artigo 6º equipara o recurso ordinário ao recurso extraordinário para a reabertura do processo ao transformar o último numa “extensão” do primeiro[129]. Resumindo isto em termos absolutamente claros, este é o último passo no processo de reconhecimento da aplicabilidade total do artigo 6º ao recurso extraordinário para a reabertura de um processo penal e é também o valor acrescentado deste acórdão[130].

38. Este desenvolvimento audaz e laudável da jurisprudência está acompanhado pelo reconhecimento, também ele notável, da competência do Tribunal em matéria de não execução dos seus acórdãos, nomeadamente quando os tribunais nacionais se recusam a reabrir um processo penal no seguimento da constatação de uma violação da Convenção. O Tribunal está, novamente aqui, a consolidar a sua própria jurisprudência. O papel do Comité de Ministros, nos termos do artigo 46º § 2 da Convenção, na supervisão da execução dos acórdãos do Tribunal não significa que as medidas adotadas pelo Estado demandado para implementar um acórdão proferido pelo Tribunal não possam levantar uma questão nova ao abrigo da Convenção e, por isso, ser objeto de uma nova queixa que possa ser analisada pelo Tribunal[131].

39. O acórdão Emre (nº 2) [132] veio dar o toque final a esta linha de jurisprudência. No acórdão Emre[133], a Câmara criticou uma medida de expulsão por tempo indeterminado. No acórdão Emre (nº 2), outra Câmara reconheceu a competência do Tribunal em relação à inexecução dos seus acórdãos, apesar de o Tribunal Federal da Suíça ter deferido o pedido de reabertura do caso e substituído a medida de expulsão do requerente do território suíço por tempo indeterminado por uma medida de expulsão com duração de dez anos a partir de 2 de junho de 2002. A Câmara considerou que tinha havido uma violação do artigo 8º, em conjugação com o artigo 46º, porque o Tribunal Federal tinha interpretado incorretamente o primeiro acórdão Emre do Tribunal.[134]. Com o presente acórdão, o Tribunal Pleno oferece a sua autoridade ao ativismo demonstrado no acórdão Emre (nº 2) sobre a questão da não execução ou dar execução deficiente dos acórdãos do Tribunal.

b.  A interpretação errada do direito português pela maioria (§§ 40-44)

40. O louvável passo em frente dado pela maioria em relação à aplicabilidade do artigo 6º da Convenção ao recurso extraordinário para reabertura do processo penal é ainda mais significativo atento o facto de que se baseia numa interpretação errada da legislação nacional. A maioria interpretou mal o quadro jurídico nacional sobre o recurso extraordinário em processo penal com vista a concluir que o recurso extraordinário para reabertura do caso, introduzido perante o Supremo Tribunal de Justiça ao abrigo do artigo 449º do Código de Processo Penal, estatui sobre o “fundamento da acusação em matéria penal”, caindo, por isso, no campo de aplicação do artigo 6º da Convenção[135]. Esta interpretação errada do direito nacional permite adaptar perfeitamente o caso em apreço à extensão que a maioria faz da tese do acórdão Bochan (nº 2) ao processo penal, na medida em que o último requer que o recurso extraordinário de reabertura do processo seja “assimilável ao recurso ordinário na sua natureza e âmbito”[136] de maneira a que as garantias do artigo 6º da Convenção se apliquem ao recurso extraordinário em causa.

41. Este ponto exige que nos detenhamos sobre as subtilezas do direito nacional. Do ponto de vista jurídico, não se pode argumentar que no direito português o recurso extraordinário de reabertura do processo penal tenha “algumas características em comum com o recurso sobre matéria de direito”[137]. Eles são distintos no que diz respeito aos requisitos de admissibilidade, à legitimidade, aos prazos, às formalidades, ao tribunal competente, aos poderes do tribunal e às garantias processuais do recorrente, tal como o Governo corretamente salientou [138]. Os recursos ordinários e os recursos extraordinários estão regulados, respetivamente, no Título I e II do Livro IX do Código de Processo Penal. Existem disposições comuns aplicáveis tanto aos recursos ordinários nos tribunais da Relação como aos recursos perante o Supremo Tribunal de Justiça (artigos 399º a 426º-A), mas não existem disposições comuns aplicáveis aos recursos ordinários e extraordinários. Estes últimos estão regulados separadamente em diferentes Títulos do Código. O artigo 448º prevê a aplicação subsidiária das disposições sobre recursos ordinários ao recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência, mas não existe uma norma equivalente para os recursos de revisão. Desta forma, é errado sustentar que na legislação portuguesa o recurso extraordinário previsto no artigo 449º do Código de Processo Penal seja um “prolongamento” do processo anterior que findou por acórdão de 19 de dezembro de 2007[139]. O próprio Supremo Tribunal de Justiça sempre considerou que o recurso extraordinário de revisão não é um “recurso disfarçado” nem um “substituto do recurso ordinário”, não devendo, portanto, ser “permissivo ao ponto de trivializar, e consequentemente desvalorizar, a reabertura” como se fosse uma mera extensão do processo anterior[140].

42. Em suma, o Supremo Tribunal de Justiça não é chamado a “decidir sobre uma acusação em matéria penal”, quando exerce os poderes que lhe são atribuídos pelo artigo 449º do Código de Processo Penal[141]. O Supremo Tribunal de Justiça pode apenas examinar os critérios de admissibilidade do pedido de revisão e, se o pedido for admitido, a nova decisão sobre a acusação penal é confiada a outro tribunal, nos termos do artigo 457º[142].

43. A conclusão alcançada pela maioria de que “o controlo feito [pelo Supremo Tribunal de Justiça] focou-se, novamente, na decisão sobre a acusação penal, na aceção do artigo 6º § 1 da Convenção, contra a requerente” estica até ao limite o conceito autónomo de “decisão sobre uma acusação em matéria penal”. Se nada impede o Tribunal de ter um entendimento autónomo do conceito de “decisão sobre uma acusação em matéria penal” com vista à aplicabilidade do artigo 6º a recursos extraordinários para a reabertura de processos penais, este exercício não deve ser conduzido com base numa interpretação do direito nacional que desvirtua a conceção do recurso extraordinário dada pelo Código de Processo Penal português.

44. A conclusão da maioria não só está juridicamente mal fundada como levanta uma dúvida grave relacionada com o esgotamento dos recursos internos. O silêncio da maioria neste ponto permite tirar uma conclusão extremamente problemática: a de que o pedido de reabertura do processo ou o uso de recursos semelhantes devem, em princípio, ser tidos em consideração para efeitos do artigo 35º § da Convenção[143]. Este seria um lamentável desenvolvimento jurisprudêncial.

V.  A aplicação do artigo 6º ao caso vertente (§§ 45-56)

a.  A interpretação do artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal pelo Supremo Tribunal de Justiça (§§ 45-50)

45. No seu acórdão de 21 de março de 2012, o Supremo Tribunal de Justiça concluiu que a condenação da requerente não era inconciliável com o acórdão Moreira Ferreira e excluiu da esfera do artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal certas violações processuais, como a ausência do acusado do processo, na medida em que não são suficientemente graves para que a condenação seja considerada incompatível com o acórdão Moreira Ferreira. Por outras palavras, o Supremo Tribunal de Justiça adotou, em substância, a posição adotada pela maioria do Supremo Tribunal no acórdão de 27 de maio de 2009. O Supremo Tribunal de Justiça também argumentou que o vício processual detetado pelo Tribunal no acórdão de 5 de julho de 2011 correspondia a uma nulidade insanável não susceptível, por si, de provocar a reabertura do processo nos termos do artigo 449º.

46. Esta interpretação é problemática por três razões. Em primeiro lugar, o artigo 449º § 1 (g) não estabelece diferenças entre violações materiais e processuais. Em segundo lugar, esta interpretação restritiva afasta-se de uma série de acórdãos previamente proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça com base no mesmo artigo[144]. Em terceiro lugar, o argumento da nulidade insanável visa invocar um impedimento jurídico à execução do acórdão do Tribunal no âmbito do ordenamento jurídico nacional. O contra-argumento é óbvio: o direito nacional não pode ser oposto à restitutio in integrum sob a forma da reabertura do processo interno[145].

47. Ora, a maioria do Tribunal Pleno aceita que a interpretação do artigo 449º § 1 (g) feita pelo Supremo Tribunal de Justiça não “parece ser arbitrária”[146], uma vez que está supostamente em conformidade com a jurisprudência do Tribunal, no sentido de que a Convenção não garante o direito à reabertura do processo[147]. Foi já demonstrado que esta afirmação não corresponde à imagem total da jurisprudência do Tribunal.

48. Ademais, a maioria considera que «não existe uma abordagem uniforme entre os Estados Contratantes no que diz respeito ao direito de solicitar a reabertura de um processo findo”[148]. O argumento avançado pela maioria de que “na maioria destes Estados a reabertura do processo não é automática e está sujeita a critérios de admissibilidade”[149], não está aqui em causa. O que está em causa não é saber se a reabertura é automática ou não. Na verdade, a reabertura nunca é automática, tal como a análise de direito comparado demonstra de forma conclusiva. Existem sempre critérios de admissibilidade formais. O que está em causa é saber se existem ou não critérios de admissibilidade materiais.

Da mesma forma, o argumento de que “não existe uma prática uniforme entre os Estados-Membros quanto aos modos de funcionamento dos mecanismos de reabertura”[150] não tem relação com a questão que se coloca no presente caso. Esta não respeita aos modos de funcionamento dos mecanismos de reabertura, mas à existência de critérios de admissibilidade materiais que concedem ao juiz interno uma margem de discricionariedade na análise do pedido de reabertura de um processo penal findo, no seguimento da constatação de uma violação da Convenção pelo Tribunal.

49. Como demonstrado, existe um consenso europeu claro entre os Estados-Membros no que diz respeito ao direito individual à revisão do processo, incluindo a reabertura do processo ou a realização de um novo julgamento, nas situações em que o Tribunal constatou uma violação da Convenção. Apenas numa minoria de Estados estão consagrados critérios de admissibilidade materiais para determinar se a reabertura deve ser concedida; estes critérios correspondem a um ou a outro dos dois critérios do Comité de Ministros (persistência das consequências negativas graves, e que só possam ser eliminadas com a reabertura), sendo que uma minoria ainda mais pequena exige a verificação dos dois critérios. À luz deste consenso europeu, somos obrigados a concordar com o juiz que juntou uma opinião separada ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de maio de 2009. A interpretação que ele fez da obrigação internacional de Portugal de reabrir um processo penal no seguimento de uma constatação de violação da Convenção pelo Tribunal, sem que o Supremo Tribunal disponha da mínima latitude, corresponde ao consenso europeu. O juiz Maia Costa estava, efetivamente, certo.

50. Devido ao efeito combinado de uma avaliação errada do consenso europeu em matéria de reabertura de processos penais na sequência da constatação pelo Tribunal de uma violação da Convenção e da margem de apreciação das autoridades nacionais na interpretação dos acórdãos do Tribunal, a maioria do Tribunal Pleno optou por uma abordagem minimalista que enfraquece a autoridade do Tribunal e que dificilmente elucidará os tribunais nacionais. A maioria dá o passo infeliz de aplicar um critério particularmente estrito ao consenso europeu, potencialmente alargando a margem de apreciação dos Estados para além dos seus limites. Sem fornecer qualquer razão para isso, a maioria coloca a fasquia do consenso europeu no mais alto nível possível de regulação “uniforme”[151] do instituto do recurso extraordinário de reabertura do processo penal. A forma contraditória como a maioria analisa o valor determinante do consenso europeu e os elementos objetivos usados para o determinar é esticada até ao limite, criando uma insegurança jurídica considerável.

b.  A interpretação do Supremo Tribunal de Justiça do acórdão Moreira Ferreira (§§ 51-56)

51. No seu acórdão de 21 de março de 2012 o Supremo Tribunal de Justiça assumiu que o Tribunal tinha, desde logo, excluído qualquer possibilidade de que a sua decisão pudesse suscitar graves dúvidas sobre a condenação, independentemente da pena aplicada. Considerou que ao atribuir uma reparação razoável à requerente, o Tribunal tinha oferecido reparação suficiente da violação processual constatada. O Ministério Público diante do Supremo Tribunal de Justiça defendeu uma posição oposta, considerando que a condenação da requerente poderia legitimamente suscitar dúvidas graves. Pediu, por isso, que o recurso extraordinário fosse admitido.

52. No caso vertente, a rejeição do Supremo Tribunal de executar o acórdão do Tribunal de 2011 não traz qualquer elemento novo quanto aos aspectos factuais ou jurídicos do caso. Não traz absolutamente nada de novo à substância da acusação em matéria penal contra a requerente. O Supremo Tribunal de Justiça não apresentou nenhuma razão relevante ou suficiente para justificar a sua conclusão de que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19 de dezembro de 2007 era compatível com o acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011. Por outras palavras, no acórdão Moreira Ferreira (nº 2), o Tribunal Pleno está confrontado, pura e simplesmente, não com uma nova acusação em matéria penal mas com a não-execução do acórdão Moreira Ferreira

53. A maioria do Tribunal Pleno considera que o Supremo Tribunal de Justiça não fez uma interpretação “arbitrária”[152] do acórdão Moreira Ferreira. Com base numa subvalorização do valor vinculativo da cláusula Öcalan, que não reflete a história dessa cláusula, como demonstrei acima, a maioria assume que no acórdão Moreira Ferreira a Câmara concedeu “uma margem de manobra extensiva”[153] ao Estado demandado. Por isso, na opinião da maioria, a interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez do acórdão da Câmara estava dentro “da margem de interpretação das autoridades nacionais para interpretar os acórdãos do Tribunal”[154].

54. Este é o motivo mais lamentável invocado pela maioria em todo o acórdão, por razões que têm a ver tanto com o direito nacional como com a Convenção. Nesta conjuntura, é de referir que a maioria do Tribunal Pleno não fez uma interpretação correta do acórdão Moreira Ferreira ao mesmo tempo que aceitou que o acórdão interno de 21 de março de 2012 não distorceu o sentido do anterior acórdão da Câmara de 5 de julho de 2011. Tal como o Ministério Público diante do Supremo Tribunal de Justiça fez devidamente notar, a boa interpretação do acórdão Moreira Ferreira aponta na direção contrária.

No acórdão Moreira Ferreira o Tribunal considerou que a questão da responsabilidade criminal da requerente era tão importante para o resultado do caso que o Tribunal da Relação não deveria ter decidido o recurso sem primeiro ter ouvido a requerente sobre todos os pontos. Consequentemente, o Tribunal constatou que tinha havido uma violação processual grave que poderia ter impacto no resultado do processo penal contra a requerente, nomeadamente no nível de imputação de responsabilidade criminal à requerente e da pena aplicada[155]. Portanto, a cláusula Öcalan devia ter sido seguida, reabrindo-se o processo contra a requerente.

No seu acórdão de 5 de julho de 2011 o Tribunal não analisou – e não tinha de o fazer – se a condenação da requerente era ou não questionável. Por isso, não excluiu à partida nenhuma possibilidade de que o acórdão interno impugnado de 19 de dezembro de 2007 pudesse suscitar dúvidas graves quanto à condenação. A afirmação feita pelo Tribunal de que não poderia “especular quanto ao resultado do processo diante do Tribunal da Relação se a requerente tivesse sido ouvida em audiência pública” deve ser interpretada como uma expressão do princípio da subsidiariedade e não como uma confirmação da justeza da condenação. Consequentemente, a recusa do Supremo Tribunal de Justiça em reabrir o processo da requerente foi baseada numa interpretação ultra vires e não teleológica do acórdão Moreira Ferreira, que não teve em consideração o seu objeto e propósito, por outra palavras, “as conclusões e o espírito do acórdão do Tribunal a executar”[156], tornando ilusório o princípio da restitutio in integrum e esvaziando a essência do direito da requerente de aparecer diante de um tribunal encarregado de decidir sobre a acusação em matéria penal dirigida contra ela, a saber o Tribunal da Relação do Porto[157].

Por fim, a rejeição pelo Supremo Tribunal de Justiça é insustentável mesmo à luz dos critérios estabelecidos no seu acórdão de princípio de 27 de maio de 2009. No momento em que foi proferido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça sobre o pedido de revisão da requerente (21 de março de 2012), as consequências da decisão interna contestada, de 19 de dezembro de 2007 (uma multa paga em várias prestações e a inscrição da condenação no registo criminal da requerente[158]) não tinham desaparecido em resultado do acórdão Moreira Ferreira e, portanto, a requerente ainda estava a sofrer as consequências negativas resultantes da decisão interna[159].

55. A frustração não podia ser maior. A abordagem favorável aos direitos humanos, prometida pela maioria na fase de admissibilidade, é frustrada na fase do mérito. Por estranho que pareça, o critério da arbitrariedade é usado nesta parte para avaliar a interpretação que as autoridades nacionais fizeram do acórdão do Tribunal e do direito nacional[160]. A maioria do Tribunal Pleno equipara a interpretação dos acórdãos do Tribunal pelas autoridades nacionais à interpretação que estas fazem do direito nacional, como se os acórdãos do Tribunal e o direito nacional estivessem no mesmo plano. A maioria do Tribunal Pleno confia inteiramente na interpretação feita pelas autoridades nacionais dos acórdãos do Tribunal, não atribuindo ao Tribunal qualquer conhecimento especial para interpretar os seus próprios acórdãos. Na prática, o critério de arbitrariedade é um cheque em branco às autoridades nacionais, uma vez que a avaliação que a maioria fez da recusa do Supremo Tribunal de Justiça limitou-se a uma verificação formal de que “o Supremo Tribunal de Justiça indicou de modo suficiente as razões em que se baseou”[161]. A posição da maioria, dispensando-se de qualquer exame do fundo a interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez do acórdão Moreira Ferreira, significa que o Tribunal abdica da sua competência para interpretar os seus próprios acórdãos, agora expressamente consagrada no artigo 46º § 3 da Convenção. Dito de outra forma, a limitação autoimposta dos poderes de interpretação do Tribunal é contrária à própria Convenção e à vontade expressa das Partes Contratantes, tal como manifestada na revisão do Artigo 46º § 3 da Convenção operada pelo Protocolo nº 14.

56. Ao fazê-lo, a maioria encara o Tribunal como um órgão meramente consultivo do Supremo Tribunal de Justiça que é, no fim de contas, livre para interpretar os acórdãos do Tribunal como quiser desde que fixe alguns fundamentos, qualquer fundamento, para a sua interpretação, independentemente do conteúdo desses fundamentos. Aplicando ao Tribunal a sua própria jurisprudência, nomeadamente o acórdão pioneiro Benthem c. Holanda,[162] ter-se-ia de concluir que, de acordo com a maioria, o Tribunal não é um órgão judicial uma vez que não tem competência para ordenar uma medida individual de reparação de uma violação da Convenção, tal como a reabertura do processo nacional, nem para interpretar o seu próprio acórdão, sempre que seja introduzida uma nova queixa com base em que a sua ordem não foi cumprida.

VI.  Conclusão (§§ (57-60)

57. Os acórdãos do Tribunal não são somente declaratórios. A jurisprudência sobre o artigo 46º da Convenção não permaneceu fossilizada no passado, permitindo hoje, quando apropriado, que os acórdãos produzam efeitos jurídicos imperativos e individuais no ordenamento jurídico do Estado demandado, incluindo uma ordem de revisão, de realização de novo julgamento ou de reabertura do processo penal. A cláusula Öcalan deve ser interpretada à luz desta jurisprudência evolutiva.

58. Os termos muito restritos da Recomendação Nº R (2000) 2 do Comité de Ministros levantam um problema em relação ao artigo 4º § 2 do Protocolo nº 7. Para além disso, tanto a razão de ser do instituto de reabertura do processo penal como os princípios de direito internacional sobre reparação apelam a um entendimento mais generoso do direito a reabrir um processo penal no seguimento de uma constatação de violação da Convenção pelo Tribunal. Aliás, a implementação da Recomendação foi bem além da letra do texto. Existe hoje um consenso europeu sobre o direito individual de reabertura do processo penal com base na constatação de uma violação pelo Tribunal, sem deixar qualquer latitude às autoridades nacionais competentes para a rejeitarem com base em critérios de admissibilidade materiais.

59. À luz das considerações feitas, o artigo 6º da Convenção aplica-se aos recursos extraordinários que visem a reabertura de processos criminais. Tendo em conta a natureza autónoma da interpretação que o Tribunal faz da Convenção, o passo louvável da maioria em reconhecer o princípio da aplicabilidade do artigo 6º da Convenção a recursos extraordinários de reabertura do processo penal não fica prejudicado pelo facto de ter sido baseado numa interpretação errada do direito interno.

60. Subvalorizando o alcance jurídico da cláusula Öcalan, o que não tem em conta a história dessa cláusula, a maioria aceitou erradamente que a Câmara tinha, em 2011, concedido “uma ampla margem de manobra” ao Estado demandado. Tal como o Ministério Público diante do Supremo Tribunal de Justiça, concluo que o Supremo Tribunal de Justiça deveria ter reaberto o processo da requerente, sendo que a sua recusa em fazê-lo não teve em conta o objeto e propósito do acórdão Moreira Ferreira. Houve, pois, violação do artigo 6º.

 


OPINIÃO DISSIDENTE DO JUIZ KŪRIS, ACOMPANHADO PELOS JUÍZES SAJÓ, TSOTSORIA E VEHABOVIĆ

1.  Não pude votar pela não violação do artigo 6º § 1 da Convenção (ponto nº 2 da parte dispositiva do acórdão) por razões que correspondem àquelas já expostas na opinião dissente do juiz Pinto de Albuquerque. Gostaria de sublinhar a importância de uma abordagem um pouco mais flexível quanto à diferença entre as “ordens” diretas do Tribunal para reabertura do processo, dirigidas às autoridades nacionais, e as indicações menos assertivas de que essa reabertura seria o meio (mais) adequado ou até o único de remediar a violação da Convenção (ver, por exemplo, §§ 2, 8, 18 e 57 da opinião do juiz Pinto de Albuquerque), que, não constituindo uma “ordem” no sentido exato do termo, obrigam indiretamente as autoridades judiciárias nacionais a reabrir o processo de maneira a satisfazerem, ao fim de contas, as exigências da Convenção. Não obstante, esta diferença nas nossas abordagens em matéria de “ordens” e de “indicações” não é verdadeiramente pertinente para este caso. Ainda que nem todas as “recomendações” do Tribunal (abundantes e diversas que sejam) para reabrir o processo ou para aplicar outras medidas individuais não possam ser todas interpretadas como “ordens” diretas, concordo com a linha geral do raciocínio do juiz Pinto de Albuquerque sobre como é que este caso específico deveria ter sido decidido.

Existem, contudo, alguns pontos que eu gostaria de destacar ou, em alguns casos, de complementar as considerações feitas pelo meu distinto colega. Abordo estes pontos nesta opinião dissidente adicional, analisando a conclusão da maioria (e, afinal, deixando-me convencer) de que o artigo 46º não impede o exame da queixa do requerente por violação do artigo 6º.

2.  A linguagem utilizada pelo Tribunal em toda a sua jurisprudência em que “recomenda” aos Estados demandados que, depois de o Tribunal ter constatado uma violação do artigo 6º, seja realizado um novo julgamento ou reaberto o processo, tem sido por vezes muito hesitante e, por isso, irregular, confusa e inconsistente com a substância da mensagem que o Tribunal quer transmitir aos Estados em questão[163]. A posição do Tribunal, refletida nessa linguagem, ou que está, por vezes, nela oculta, pode também ser confusa, pelo menos em alguns casos.

Este acórdão tornou a situação, não menos, mas provavelmente ainda mais confusa.

3.  Estas incoerências gerais (que não são tão esmagadoras, se bem que não seja preciso exagerar), nas “recomendações” em causa é, contudo, de despicienda no caso presente. De fcato, a posição do Tribunal em relação à reabertura do caso examinado no acórdão de 5 de julho de 2011 é inequívoca, ou melhor, era inequívoca até à adoção do presente acórdão. Não seria fácil, nem mesmo possível, discernir qualquer coisa no parágrafo 41 do acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011 que permitisse ao Supremo Tribunal de Justiça português abster-se de reabrir o caso da requerente.

4.  Deveria o Tribunal, em 2011, ter dito de forma mais explícita que o caso da requerente tinha de ser reaberto? Em retrospectiva, somos levados a pensar que sim. Essa precisão teria protegido o Tribunal do grande embaraço causado pelo presente acórdão.

5.  Seja como for, mesmo na ausência de tal precisão, a mensagem contida na última frase do parágrafo 41 do acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011 era muito clara. Muito, muito clara: o Tribunal disse que “a requerente não tinha sido ouvida em audiência pelo Tribunal da Relação [do Porto]” (itálico meu).

Por outras palavras, o Tribunal tinha concluído que o Tribunal da Relação do Porto não tinha oferecido uma audiência à requerente, uma vez que uma audiência requer, no mínimo, que a pessoa acusada de uma atividade criminal seja ouvida.

A requerente não foi ouvida. O procedimento judicial em questão foi tudo menos uma audição.

6.  Sendo bastante evidente, esta conclusão fundamental não poderia, nem deveria, ter sido ofuscada por considerações tais como «as circunstâncias específicas do caso concreto” (ver parágrafos 20, 93 e 94 do acórdão).

Infelizmente, foi isso que aconteceu.

7.  Esta mensagem também não poderia, nem deveria, ter sido camuflada – mas foi, lamentavelmente – pela admissão pelo Tribunal de que estava “seguro” de que o Supremo Tribunal de Justiça do Estado demandado, Portugal, não tinha mostrado nenhuma arbitrariedade no tratamento do caso da requerente porque, na opinião da maioria, “não distorceu nem desvirtuou o acórdão proferido pelo Tribunal” (ver parágrafo 96 do acórdão).

Na verdade, foi isso que fez.

8.  Não existe nenhuma dúvida de que o Supremo Tribunal de Justiça português estava certo em concluir, da globalidade da jurisprudência do Tribunal, que um novo julgamento ou a reabertura de um caso pode nem sempre ser indispensável. O próprio Tribunal confirmou essa interpretação da sua jurisprudência ao reconhecer, no presente acórdão, que “o novo julgamento ou a reabertura do processo, se solicitados, representavam ‘em princípio, um meio apropriado de reparação da violação’” e que “os Estado [s têm] uma extensa margem de manobra nesse domínio” (ver parágrafos 92 e 93 do acórdão). Contudo, o Supremo Tribunal de Justiça interpretou mal, não a jurisprudência do Tribunal na sua globalidade, mas o acórdão de 5 de julho de 2011 e, em particular, a última frase do parágrafo 41 (no contexto de uma representação mais geral das “recomendações” formuladas noutras frases desse parágrafo, onde o Tribunal se referiu e citou a sua jurisprudência anterior), concluindo que o novo julgamento ou a reabertura do processo seriam inúteis, não de forma geral, mas no caso da requerente.

9.  Do ponto de vista da ciência da lógica, está-se diante de uma deficiência de inferência por indução. As inferências por indução, ao contrário das dedutivas, nunca são seguras: são – na melhor das hipóteses – apenas prováveis e têm de ser suportadas por elementos de prova ou argumentos adicionais.

Passando ao assunto em análise, o novo julgamento ou a reabertura do processo, em geral, podem, de facto, não ser necessários em todos os casos.

Podem até – mais uma vez, de modo geral – ser “excecionais”, citando a Recomendação Nº R (2000) de 19 de janeiro de 2000 (ver parágrafo 32 do acórdão).

Isso, contudo, não significa que também sejam desnecessários num caso em que não houve nenhuma audição.

10.  Esta deficiência, por banal que seja, é menos visível na fundamentação do Supremo Tribunal de Justiça português, uma vez que ele apenas incidentalmente analisou de forma explícita a jurisprudência do Tribunal na sua globalidade. O Supremo Tribunal de Justiça estava acima de tudo preocupado com a aplicação da legislação nacional em matéria de realização (ou não) de novo julgamento e de reabertura (ou não) do processo, e não com a análise global e detalhada da jurisprudência do Tribunal “recomendando”, mais ou menos de forma magistral uma ou outra dessas soluções.[164]

Mas esta deficiência é evidente, palpável, até notoriamente visível no presente acórdão do Tribunal Pleno. Com efeito, tendo admitido que “a realização de um novo julgamento ou a reabertura do processo, se solicitados, representam, em principio um meio apropriado de reparação da violação’ e que “os Estado[s têm] uma extensa margem de manobra nesse domínio” (ver parágrafos 92 e 93 do acórdão), a maioria concluiu que “em conformidade [dès lors], a reabertura do processo não aparentava ser a única forma de executar o acórdão do Tribunal de julho de 2011” (ver parágrafo 94; itálico meu).

“Em conformidade” [dès lors]?!

Trata-se de indução por excelência – na sua manifestação mais perversa e débil.

11.  A maioria dá grande destaque às palavras “todavia” e “em princípio” contidas no parágrafo 41 do acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011 (ver parágrafo 93 do acórdão).

Isto não prova nada. E não só porque estas palavras, ao contrário da última frase do referido parágrafo que diz realmente respeito à situação em análise, fi importada – como é típico da jurisprudência do Tribunal – da sua jurisprudência anterior para este acórdão, não tendo sido “adaptadas” às circunstâncias do caso da requerente.

Seria difícil não concordar com a maioria de que “o uso da expressão ‘em princípio’ relativiza o âmbito da recomendação, sugerindo que em algumas situações a realização de um novo julgamento ou a reabertura do processo possa não ser uma solução apropriada” (ibid.). Mas a maioria provou, de alguma forma, que esta recomendação não devia ter sido seguida, precisamente, na situação da requerente?

Não, lamentavelmente.

12.  É bastante lamentável relevar deficiências lógicas tão pronunciadas (não seria “ilógica” um termo melhor?) na fundamentação explícita do Tribunal Pleno. Mas o leitor é compelido a ler o que está escrito mesmo que o que esteja escrito contradiga as leis da lógica. Estes ilogismos estão agora gravados na pedra de lei da Convenção, tal como interpretada e aplicada pelo Tribunal.

13.  O Artigo 6º § 1 diz explicitamente que toda a causa deve ser “examinada equitativa e publicamente”, sendo esta a própria essência do direito a um processo equitativo.

Deve ser examinada [entendue] nada menos do que isso.

Poderíamos falar de futebol se não houvesse uma bola no campo?

Seria ainda uma competição de natação se não existisse água na piscina?

Para que um processo seja “equitativo” (ou “injusto”) deve, antes de tudo, que o acusado seja concretamente ouvido.

O zero, o vácuo, o nada, uma coisa que nunca aconteceu, que nunca existiu e que continua a não existir não pode ser “equitativa” ou “não equitativa”.

No seu acórdão de 5 de julho de 2011, o próprio Tribunal afirmou que não tinha de todo existido audição no caso. Por isso, não existe nada que possa ser “equitativo”.

Nem nada que possa ser compatível com o artigo 6º § 1 – não só na sua vertente processual (à qual o Supremo Tribunal de Justiça português limitou a sua deturpação e interpretação errónea do acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011), mas também, e sobretudo (!), na sua vertente material.

14.  Será que nada mudou a este respeito desde 5 de julho de 2011 – no direito e na realidade?

Na verdade, não. Não houve audição na altura, nem foi realizada depois dessa data – no mesmo processo criminal.

Há seis anos, o Tribunal considerou, unanimemente, que a inexistência de uma audição num processo criminal era contrário ao artigo 6º § 1. Hoje, contudo, persistindo a falta de audição no mesmo processo penal não é considerado contrário ao artigo 6º § 1.

15.  O Supremo Tribunal de Justiça português e a maioria do Tribunal Pleno simplesmente (?!) ocultaram o facto de que “a requerente não foi ouvida” no processo penal contra ela. Se – tal como a maioria aceita sem reservas – o Estado demandado, Portugal, tinha de facto, não só de forma geral, mas também neste caso específico, uma “extensa margem de apreciação” no modo de “reparação da violação” constatada pelo Tribunal no seu acórdão de 5 de julho de 2011, teria sido deveras feliz se a maioria tivesse mencionado exemplos que não conduzissem a uma “não audição da requerente”, especialmente depois de terem dito que a reabertura do processo – no âmbito da qual a pessoa acusada teria sido presumivelmente ouvida – seria “a solução mais desejável” (ibid.).

Não foi dado nenhum exemplo no acórdão.

Não é de admirar.

Esses exemplos não existem no acórdão porque, do ponto de vista dos princípios, nenhum exemplo desse tipo pode ser formulado de forma satisfatória.

E não pode ser formulado de forma satisfatória porque a reparação pelo facto de “não ter sido ouvida” só pode ser ouvir (finalmente!) a pessoa a quem a audição foi negada.

16.  Portanto, o que é que permitiu à maioria dizer que estava satisfeita com o tratamento do caso pelo Supremo Tribunal de Justiça português? O que é que foi, tendo em conta que as razões para esse tratamento foram baseadas no menosprezo da constatação explícita pelo Tribunal de que à requerente tinha sido negada uma audiência no seu processo penal, o que equivaleu efetivamente a desvirtuar o acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011?

17.  A resposta da maioria é desconcertante. A maioria fica satisfeita com o facto de que “a leitura que o Supremo Tribunal de Justiça fez do acórdão do Tribunal de 2011 ..., na sua globalidade [não foi] o resultado de um erro factual ou de direito manifesto que conduza a uma “denegação de justiça” (ver parágrafo 97 do acórdão; itálico meu).

Dizendo-o sem rodeios, doravante, um processo conducente à condenação de uma pessoa pode ser justificado do ponto de vista do artigo 6º “no seu todo” mesmo nas situações em que esse “todo” não inclui uma audição. Uma condenação sem audição é aceitável da perspetiva da Convenção! Para o Tribunal, condenar uma pessoa em processo penal sem que esta tenha sido ouvida não é uma denegação de justiça!

O que constituiu, então, essa denegação?

Continuando: a justiça em processo penal pode agora existir sem uma audiência.

Uma questão retórica: qual seria o valor dessa “justiça”?

18.  Para a requerente, este acórdão significa o seguinte: (i) não foi ouvida no processo criminal contra ela; (ii) o Tribunal considerou que isso não era compatível com a Convenção; (iii) essa audiência foi-lhe repetidamente negada; (iv) o Tribunal considerou que agora essa negação de audiência é compatível com a Convenção.

19.  Parece que para a maioria do Tribunal Pleno essa audiência, que nunca foi concedida à requerente, não era de qualquer das formas necessária. Portanto, a condenação da requerente mantém-se, apesar de ter sido adotada sem uma audição. O Supremo Tribunal de Justiça português considerou que a sua “condenação não [era] inconciliável com o acórdão vinculativo do Tribunal Europeu e que não [se suscitavam] dúvidas graves sobre a sua validade” (ver parágrafo 26 do acórdão), tendo o “Tribunal Europeu” confirmado esta análise fundamentalmente errada apesar de, previamente, o mesmo Tribunal ter considerado que a condenação da requerente tinha sido adotada fora do procedimento de audição.

Não constitui isto uma eficaz – mesmo que indireta e implícita – revogação do acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011 – muitos anos mais tarde? Uma revogação virtual, através da qual algo que tinha sido previamente considerado um erro material fundamental e essencial no processo judicial em análise foi reduzido a um erro processual menor e insignificante?

20.  O Supremo Tribunal de Justiça português errou ao considerar que “o Tribunal Europeu ... excluiu desde logo qualquer possibilidade de que a sua decisão pudesse suscitar dúvidas graves sobre a condenação, independentemente da pena verdadeiramente imposta” (ver parágrafo 26 do acórdão).

Ora a sua decisão suscitou, efetivamente, dúvidas – e graves! – tanto na altura como agora, embora essas dúvidas pudessem ser dissipadas pela audição da requerente. (Eu próprio estaria pronto a aceitar que elas tinham sido dissipadas se a requerente tivesse sido ouvida no processo crime). Contudo, essas dúvidas não foram afastadas por nenhuma vírgula deste acórdão que, de resto, foi adotado por uma escassíssima maioria de apenas um voto (9 votos contra 8, onde um dos juízes que efetivamente votou a favor da parte dispositiva do acórdão de 5 de julho de 2011 figura na maioria, e dois outros na minoria).

21.  Além disso, não só este acórdão não clarifica, em nada, a jurisprudência do Tribunal em matéria de um novo processo ou de reabertura do processo no seguimento da constatação pelo Tribunal de uma violação do artigo 6º, como também cria novas dúvidas. Vou citar algumas dessas dúvidas abaixo (uma diz respeito à condenação da requerente, outra tem uma natureza hipotética, e uma outra um caráter mais geral).

22.  No que diz respeito à situação da requerente, existe uma dúvida quanto à legitimidade (como categoria no seu sentido mais amplo, não jurídico, justaposta e por vezes oposta à legalidade formal) da sua condenação sem audição, no contexto, de facto, de uma negação explícita da audição. Pode esta condenação ser considerada como estando em conformidade com os critérios do artigo 6º § 1, que põe em evidência ser “ouvido”?

O Tribunal considerou que sim. Todavia, podemos, e porventura devemos, perguntar: qual é a legitimidade desta conclusão aos olhos (não só) da lei mas (também) da justiça fundamental, de acordo com a qual a lei é (ou deve ser) meramente um meio tendente a um fim e não um fim em si mesmo?

23.  A dúvida hipotética é a seguinte: se a mesma requerente alguma vez se encontrar numa situação semelhante àquela que foi examinada pelo Tribunal de Matosinhos e pelo Tribunal da Relação do Porto, poderão estes tribunais dispensar novamente a audiência e condená-la?

Receio que o Tribunal o tenha permitido. Ou que não podiam antes da adoção deste acórdão, mas agora possam.

24.  O presente acórdão, contudo, também suscita uma questão de princípio mais geral, ou seja, uma questão preocupante quanto à extensão, ou variedade, das “medidas” que os Estados-Membros podem tomar para condenar uma pessoa sem a ouvir[165] e ainda assim estar “protegidos” pela “margem de apreciação” que o Tribunal tão generosamente lhes concedeu. Qual é a extensão deste leque? Que outras situações de “não audição” podem potencialmente ser incluídas neste leque e não serem tidas como tendo ocasionado uma denegação de justiça?

25.  Neste contexto, a ressalva feita no parágrafo 99 do acórdão não tem nenhum efeito prático e dá pouco conforto àqueles que ainda estão à espera que o Tribunal de Estrasburgo faça justiça nos casos em que decide. Nesse parágrafo, o Tribunal reafirma, pela enésima vez na sua jurisprudência, “a importância de assegurar que sejam implementados procedimentos internos que permitam o reexame de um caso na sequência de uma constatação de uma violação do artigo 6º da Convenção” e que “esses procedimentos podem ser vistos como um aspeto importante da execução dos seus acórdãos, sendo que a sua existência demonstra o compromisso do Estado Contratante com a Convenção e com a jurisprudência do Tribunal” (itálico meu). Uma vez que a “instituição” desses procedimentos como também a (errada) interpretação das “recomendações” do Tribunal está totalmente dependente da vontade dos Estados Contratantes, mesmo quando a sua vontade seja a de não reabertura do processo, e o Tribunal tende a limitar o seu papel à aprovação desta vontade, esta ressalva não passa de um alerta amargo e angelical do significado daquilo a que a Convenção estava destinada mas daquilo que, por vezes – como no caso presente –, ela não consegue concretizar.

 

 

 

OPINIÃO DISSIDENTE DO JUIZ BOŠNJAK

1.  Infelizmente, não posso concordar com a opinião da maioria de que não houve, no presente caso, violação do artigo 6º da Convenção.

2.  Na minha opinião, a maioria considerou corretamente que o artigo 46º da Convenção não impede o exame, pelo Tribunal, da queixa introduzida pela requerente por violação do artigo 6º da Convenção. Apesar de possivelmente relacionada com a questão da execução do acórdão do Tribunal proferido a 5 de julho de 2011 referente à primeira queixa da requerente, a presente queixa foca-se na abordagem adotada pelo Supremo Tribunal de Justiça de Portugal (doravante “o Supremo Tribunal”) na análise do pedido de reabertura do processo penal introduzido pela requerente. Do mesmo modo, considero que a maioria está certa nas suas conclusões quanto à aplicabilidade do artigo 6º § 1 da Convenção. Independentemente das razões aduzidas a este respeito no acórdão do Tribunal, considero que, no presente caso, o exame do pedido de reabertura do processo penal não pode ser plenamente separado da análise do direito e dos factos relevados na primeira decisão sobre o fundamento da acusação penal contra a requerente. Neste contexto, esperava-se que o Supremo Tribunal reexaminasse à luz do acórdão do Tribunal as conclusões de facto e a aplicação do direito no processo criminal primitivo. O Supremo Tribunal considerou que a condenação da requerente não era inconciliável com o acórdão do Tribunal e que não poderiam ser suscitadas dúvidas graves quanto à condenação da requerente. Deste modo, não vejo qualquer obstáculo à aplicação do artigo 6º § 1 da Convenção ao presente caso.

3.  Ao examinar a abordagem utilizada pelo Supremo Tribunal na apreciação do pedido de reabertura do processo penal feito pela requerente, a maioria considerou-a compatível com o artigo 6º § 1 da Convenção. Não posso partilhar desta opinião.

4.  O Supremo Tribunal não forneceu nenhuma razão substancial pela qual, na sua opinião, a condenação da requerente não era inconciliável com o acórdão do Tribunal. Esta lacuna é, em si, incompatível com os requisitos do artigo 6º § 1 da Convenção. Para além disso, o Supremo Tribunal baseou-se numa leitura do acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011 que vai manifestamente contra o seu verdadeiro significado. Enquanto o Tribunal disse que não poderia “especular sobre qual seria o resultado do processo perante o Tribunal da Relação (do Porto), se a requerente tivesse sido ouvida em audiência pública”, o Supremo Tribunal interpretou esta indicação como excluindo que o acórdão do Tribunal pudesse suscitar dúvidas quanto à condenação da requerente.

5.  Esta interpretação é ainda mais inaceitável à luz dos principais argumentos avançados pelo Tribunal no seu acórdão. O Tribunal notou, de facto, que o Tribunal da Relação tinha sido chamado a examinar várias questões sobre os factos bem como sobre a personalidade da requerente e, em particular, a sua capacidade supostamente diminuída que, por sua vez, poderia ter uma influência decisiva na determinação da pena. Para o Tribunal, esta questão não poderia ser resolvida sem ouvir directamente o testemunho da requerente (ver parágrafos 33 e 34 do acórdão). Em conformidade com esses argumentos, está claro que a violação em questão só poderia ser totalmente afastada através da reabertura do processo perante o Tribunal da Relação, que teria de incluir a audição da requerente.

6.  Na sua opinião dissidente, o juiz Pinto de Albuquerque, acompanhado por outros dissidentes, analisa a jurisprudência do Tribunal para concluir, inter alia, que o Tribunal detém poderes para ordenar a reabertura do processo penal num determinado caso se tiver sido declarada uma violação do artigo 6º da Convenção. Seja como for, deve ser visto como incontestado que as autoridades nacionais não podem recorrer a uma interpretação manifestamente errada do direito, muito menos das fontes fundamentais do direito internacional dos direitos humanos, como são os acórdãos deste Tribunal. Como foi precisamente isso que o Supremo Tribunal fez no presente caso, a violação do artigo 6º § 1 da Convenção é evidente.

 


[1]  Sobre as medidas necessárias para executar os acórdãos do Tribunal que constatem uma violação da Convenção e sobre a prática atual do Tribunal Europeu nesse âmbito, ver Alastair Mowbray, An Examination of the European Court of Human Rights; Indication of Remedial Measures, Human Rights Law Review, por publicar.

[2]  Esta interpretação não está em total conformidade com o relatório explicativo do Protocolo nº 14 da Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais que modifica o sistema de supervisão da Convenção, de 13 de maio de 2004, Estrasburgo, págs. 18 e 19.

[3]  Como afirmado no Sexto Relatório Anual do Comité de Ministros de 2012, intitulado “Supervisão da execução de acórdãos e decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem”, Conselho da Europa, abril de 2013, que menciona “uma interação reforçada entre o Tribunal Europeu e o Comité de Ministros (pág. 28), e a comunicação do juiz Linos-Alexandre Sicilianos intitulado “O papel do Tribunal na implementação dos seus acórdãos, poderes e limites” no âmbito do “Diálogo entre juízes, Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Conselho da Europa, 2014” no qual salientou que “ao longo da última década o Tribunal … proferiu cerca de 150 acórdãos em que se refere ao artigo 46º da Convenção e relativos ao processo de execução” (pág. 19).

[4]  Em relação aos acórdãos VgT (nº 2) e Emre (nº 2) supracitados, ver Maya Hertig Randall/Xavier-Baptiste Ruedin, “Judicial activism and Implementation of the Judgments of the European Court of Human Rights”, Revue trimestrielle des droits de l’homme 2010, no. 82, págs. 421-443; Maya Hertig Randall, Commentary on the Emre (no. 2) judgment of 11 October 2011 of the European Court of Human Rights, Pratique juridique actuelle 2012, no. 4, págs. 567-573, respetivamente.

[5]  Ver a opinião concordante da juíza Keller no acórdão Sidabras e Outros c. Lituânia (23 de junho de 2015, nºs 50421/08 e 56213/08).

[6] Estes termos são utilizados de forma intermutável nesta opinião.

[7] Ver Moreira Ferreira c. Portugal, nº 19808/08, 5 de julho de 2011.

[8] Ver parágrafo 48 do acórdão.

[9] Sobre um dos primeiros exemplos, Marckx c. Bélgica, 13 de junho de 1979, § 58, Série A nº 31.

[10] Sobre alguns primeiros exemplos de reparação total ver Neumeister c. Áustria (Artigo 50º), nº 1936/63, §§ 40- 41, 7 de maio de 1974, e para reparação parcial ver Van Mechelen e Outros c. Holanda (Artigo 50º), nºs 21363/93, 21364/93, 21427/93, § 16, 30 de outubro 1997.

[11] Ver Piersack c. Bélgica (Artigo 50º), acórdão de 26 de outubro de 1984, Série A nº 85, §§ 11-12. O Tribunal escolheu o conceito mais abrangente de restitutio in integrum, que requer uma ponderação hipotética sobre qual seria a situação se o facto ilícito não tivesse sido cometido. O conceito menos exigente de restituição, que visa restabelecer a situação existente antes da ocorrência do “ato ilícito”, foi rejeitado (ver o comentário ao artigo 35º do Projeto da Comissão de Direito Internacional sobre a Responsabilidade Internacional dos Estados por facto internacional ilícito” («projeto de artigos»), parágrafo 2). Note-se também que o comentário ao artigo 36º do projeto de artigos, parágrafo 19, diz que “as decisões dos órgãos de proteção de direitos humanos em matéria de compensação baseiam-se nos princípios de reparação do direito internacional geral.” Consequentemente, a doutrina que resulta do projecto de artigos sobre reparação e especificamente os seus Artigos 34º-37º devia ser tida em conta na interpretação da Convenção.

[12] Ver Lyons e Outros c. Reino Unido (dec.), nº 15227/03, TEDH 2003-IX.

[13] Ver Scozzari e Giunta c. Itália [GC], nº 39221/98 e 41963/98, § 249, TEDH 2000-VIII, e Christine Goodwin c. Reino Unido [GC], nº 28957/95, § 120, TEDH 2002-VI.

[14] Ver Papamichalopoulos e Outros c. Grèce /artigo 50), n.º 14556/89, § 38, 31 de outubro de 1995. O dispositivo retoma a obrigação que figura na motivação. Em caso de não restituição, o Estado requerido deve pagar uma certa quantia aos requerentes. Ver também Ramadhi e Outros c. Albânia, n.º 38222/02, § 102, 13 de novembro de 2007. 

[15] Ver Brumarescu c. Roménia (Artigo 41º), nº 28342/95, § 22, 23 de janeiro de 2001; Hirschhorn c. Roménia, nº 29294/02, § 114, 26 de julho de 2007; e Katz c. Roménia, nº 29739/03, § 42, 20 de janeiro de 2009. Em todos estes casos, a parte dispositiva replicou a obrigação mencionada na fundamentação do acórdão nos termos do artigo 41º. Na falta de tal restituição, o Estado demandado devia pagar um certo montante ao requerente.

[16] Ver Assanidze c. Geórgia [GC], nº 71503/01, § 203, TEDH 2004-II. A linguagem utilizada foi imperativa (“incumbe ao Estado assegurar … o mais cedo possível”) e a obrigação imposta nos termos do artigo 41º foi repetida no ponto 14 (a) da parte dispositiva do acórdão. Ver também Ilaşcu c. Moldávia e Rússia (GC), nº 48787/99, § 490, TEDH 2004-VII, e o ponto 22 da parte dispositiva do acórdão; Fatullayev c. Azerbaijão, nº 40984/07, § 177, 22 de abril de 2010, e ponto 6 da parte dispositiva; e Del Rio Prada c. Espanha [GC], nº 42750/09, § 138, TEDH 2013, e ponto 3 da parte dispositiva. Nos últimos dois casos a decisão foi tomada no âmbito do artigo 46º.

[17] Ver Maestri c. Itália, nº 39748/98, § 47, 17 de fevereiro 2004. Apesar da linguagem utilizada (“cabe ao Estado demandado tomar as medidas adequadas para eliminar os efeitos de qualquer prejuízo, passado ou futuro, à carreira do requerente”), não foi feita nenhuma referência na parte dispositiva à obrigação imposta na fundamentação do acórdão no âmbito do artigo 41º.

[18] Ver Aleksanyan c. Rússia, nº 46468/06, § 239, 22 de dezembro de 2008. A linguagem utilizada foi imperativa (“deve substituir”) e a obrigação imposta na parte da fundamentação no âmbito do artigo 46º foi retomada no ponto 9 da parte dispositiva do acórdão.

[19] Ver Scoppola c. Itália (nº 2) (GC), nº 10249/03, § 154, 17 de setembro de 2009. A linguagem utilizada foi imperativa (“é responsável por assegurar que”) e a obrigação imposta no âmbito do artigo 46º foi repetida no ponto 6 (a) da parte dispositiva do acórdão.

[20] Ver Abuyeva e Outros c. Rússia, nº 27065/05, § 243, 2 de dezembro de 2010. Apesar da linguagem utilizada (“considera inevitável que … deva ser determinado”), a parte dispositiva do acórdão não fez referência à obrigação imposta na fundamentação do acórdão no âmbito do artigo 46º. Ver também Benzer e Outros c. Turquia, nº 23502/06, § 219, 12 de novembro de 2013.

[21] Ver Nihayet Arıcı e Outros c. Turquia, 24604/04 e 16855/05, § 176, 23 de outubro de 2012. A linguagem utilizada foi imperativa (“deve implementar…sem demora”), mas a parte dispositiva não fez referência à obrigação imposta na fundamentação do acórdão no âmbito do artigo 41º.

[22] Ver Hirsi Jamaa e Outros c. Itália (GC), nº 27765/09, § 211, TEDH 2012-II. Apesar da linguagem utilizada (“cabe-lhe empreender”), a parte dispositiva do acórdão não fez referência à obrigação imposta na fundamentação do acórdão nos termos do artigo 46º.

[23] Ver Oleksandr Volkov c. Ucrânia, nº 21722/11, § 208, TEDH 2013-I. A linguagem utilizada foi imperativa (“deve assegurar … o mais cedo possível”) e a obrigação imposta na parte da fundamentação no âmbito dos artigos 41º e 46º foi repetida no ponto 9 do dispositivo. Porém, o Tribunal não seguiu esta jurisprudência no caso Kulykov e Outros c. Ucrânia, nºs 5114/09 e 17 outros, § 148, 19 de janeiro 2017. 

[24] Ver Gençel c. Turquia, nº 53431/99, § 27, 23 de outubro de 2003.

[25] Ver Somogyi c. Itália, nº 67972/01, § 86, TEDH 2004-IV.

[26] Ver Öcalan c. Turquia [GC], nº 46221/99, § 210 in fine, TEDH 2005,IV.

[27] Esta cláusula também é conhecida como cláusula Öcalan-Sejdovic desde que foi confirmada e desenvolvida no acórdão Sejdovic c. Itália [GC], nº 56581/00, § 86, TEDH 2006‑II. Ver também Abbasov c. Azerbaijão, nº 24271/05, § 42, 17 de janeiro de 2008, e Laska e Lika c. Albânia, nºs 12315/04 e 17605/04, § 76, 20 de abril de 2010.

[28] Apesar da intervenção do Tribunal Pleno no caso Öcalan c. Turquia e, dois anos mais tarde, no caso Sejdovic c. Itália, a prática do Tribunal manteve-se incerta, tal como é demonstrado pelo facto de que diversas composições da secção conservaram a anterior cláusula Gençel tal como se mostrará adiante. Para agravar esta incerteza, o Tribunal Pleno voltou à cláusula Gençel no contexto do artigo 41º da Convenção no caso Salduz c. Turquia (GC), nº 36391/02, § 72, 27 de novembro de 2008, e no caso Sakhnovskiy c. Rússia [GC], nº 21272/03, § 112, 2 de novembro de 2010, usou a cláusula Gençel mas citou erradamente o precedente Öcalan.

[29] Ver Verein gegen Tierfabriken Schweiz (VgT) c. Suíça (nº 2) [GC], nº 32772/02, § 90, TEDH 2009.

[30] Ver também Wasserman c. Rússia (nº 2), nº 21071/05, § 37, 10 de abril de 2008, e Ivanţoc e Outros c. Moldávia e Rússia, nº 23687/05, §§ 86 e 95-96, 15 de novembro de 2011.

[31] Após a constatação de uma violação do direito de acesso a um tribunal, a cláusula Öcalan-Sejdovic foi usada no caso Perlala c. Grécia, nº 17721/04, § 36, 22 de fevereiro de 2007, mas também a cláusula Gençel-Somogyi foi usada no caso Kostadin Mihaylov c. Bulgária, nº 17868/07, § 60, 27 de março de 2008, e no caso Demerdžieva e Outros c. Macedónia, nº 19315/06, § 34, 10 de junho de 2010. Num caso com a mesma natureza em que a anulação do julgamento tinha sido pedida, o Tribunal não ordenou a realização de um novo julgamento (ver De la Fuente Ariza c. Espanha, nº 3321/04, § 31, 8 de novembro de 2007).

[32] A fórmula Gençel-Somogyi foi usada mutatis mutandis nos casos Claes e Outros c. Bélgica, nºs 46825/99, 47132/99, 47502/99, 49010/99, 49104/99, 49195/99 e 49716/99, § 53, 2 de junho de 2005, Lungoci c. Roménia, nº 62710/00, 26 de janeiro de 2006, e Ilatovskiy c. Rússia, nº 6945/04, § 49, 9 de setembro de 2009 (que cita erradamente o caso Öcalan).

[33] À parte os casos turcos dos Tribunais de Segurança do Estado, a cláusula Öcalan-Sejdovic surgiu em casos relacionados com a condenação de civis por tribunais militares no seguimento do acórdão de princípio no caso Ergin c. Turquia (nº 6), nº 47533/99, TEDH 2006, § 61. Mas em outros casos, relacionados com a mesma questão, o Tribunal não aplicou a cláusula de reabertura (ver Karatepe c. Turquia, nº 41551/98, § 37, 31 de julho de 2007, Hûseyin Simsek c. Turquia, nº 68881/01, § 83, 20 de maio de 2008). Nestes casos, o requerente tinha beneficiado da liberdade condicional antes da adoção do acórdão do Tribunal. A libertação do requerente não pode, contudo, ser considerada como razão para a não aplicação da cláusula de reabertura uma vez que o Tribunal também aplicou essa cláusula em casos em que a pena de prisão tinha sido suspensa (ver Kenar c. Turquia, nº 67215/01, § 50, 13 de dezembro de 2007, e Zekeriya Sezer c. Turquia, nº 63306/00, § 32, 29 de novembro de 2007). 

[34] No seguimento da declaração de violação do direito de participação no processo, a cláusula Gençel-Somogyi foi usada no caso R.R. c. Itália, nº 42191/02, § 76, 9 de junho de 2005, mas posteriormente abandonada a favor da cláusula Oçalan-Sejdovic nos casos Hu c. Itália, nº 5941/04, § 71, 28 de novembro de 2006, Csikos c. Hungria, nº 37251/04, § 26, 5 de dezembro de 2006, Kollcaku c. Itália, nº 25701/03, § 81, 8 de fevereiro de 2007, Pititto c. Itália, nº 19321/03, § 79, 12 de junho de 2007, Kunov c. Bulgária, nº 24379/02, § 59, 23 de maio de 2008, e Georghe Gaga c. Roménia, nº 1562/02, § 68, 25 de março de 2008. Num caso sobre a mesma matéria, o Tribunal não aplicou qualquer cláusula de reabertura. (Da Luz Domingues Ferreira c. Bélgica, nº 50049/99, 24 de maio de 2007).

[35] No seguimento da constatação de uma violação do direito a interrogar testemunhas, a cláusula Öcalan  foi utilizada nos casos Bracci c. Itália, nº 36822/02, § 75, 13 de outubro de 2005, Vaturi c. França, nº 75699/01, § 63, 13 de abril de 2006, Zentar c. França, nº 17902/02, § 35, 13 de abril de 2006, Balšán c. República Checa, nº 1993/02, § 40, 18 de julho de 2006 (que cita incorretamente o caso Somogyi), Reiner e Outros c. Roménia, nº 1505/02, § 93, 27 de setembro de 2007 (cita incorretamente o caso Gençel); mas a cláusula Gençel foi utilizada nos casos Majadallah c. Itália, nº 62094/00, § 49, 19 de outubro de 2006, Popov c. Rússia, nº 26853/04, § 263, 13 de julho de 2006 (cita erradamente o caso Öcalan), Sakhnovskiy c. Rússia [GC], nº 21272/03, § 112, 2 de novembro de 2010 (cita erradamente o caso Öcalan), e Duško Ivanovski c. antiga república Jugoslava da Macedónia, nº 10718/05, § 64, 24 de abril de 2014.

[36] Ver Spinu c. Roménia, nº 32030/02, § 82, 29 de abril de 2008.

[37] Ver Miraux c. França, nº 73529/01, § 42, 26 de setembro de 2006, e Drassich c. Itália, nº 25575/04, § 46, 11 de dezembro de 2007.

[38] Ver Mattei c. França, nº 34043/02, § 51, 19 de dezembro de 2006.

[39] Ver Ünel c. Turquia, nº 35686/02, § 55, 27 de maio de 2008. Para além da recusa em interrogar certas testemunhas, o requerente tinha-se queixado da falta de acesso a determinadas peças processuais como a transcrição da gravação áudio feita aquando da sua detenção.

[40] A cláusula Öcalan-Sejdovic foi utilizada nos casos Sannino c. Itália, nº 30961/03, § 70, 27 de abril de 2006, Kemal Kahraman e Ali Kahraman c. Turquia, nº 42104/02, § 44, 26 de abril de 2017, e Sacettin Yildiz c. Turquia, nº 38419/02, § 55, 5 de junho de 2007, mas foi usada a cláusula Gençel-Somogyi nos casos Salduz c. Turquia (GC), nº 36391/02, § 72, 27 de novembro de 2008, e Shulepov c. Rússia, nº 15435/03, § 46, 26 de junho de 2008.

[41] Ver Malininas c. Lituânia, nº 10071/04, § 43, 1 de julho de 2008.

[42] Ver Huseyn e Outros c. Azerbaijão, nºs 35485/05, 45553/05, 35680/05 e 36085/05, 4§ 213 e 262, 26 de julho de 2011.

[43] Ver Abuyeva e Outros, supracitado.

[44] Ver Dragotoniu e Militaru-Pidhorni c. Roménia, nº 77193/01 e 77196/01, § 55, 24 de maio de 2007, que também se refere ao artigo 408º do Código de Processo Penal.

[45] Ver Yanakiev c. Bulgária, nº 40476/98, § 90, 10 de agosto de 2006, Paulik c. Eslováquia, nº 10699/05, § 72, 10 de outubro de 2006, Mehmet e Suna Yigit c. Turquia, Nº 52658/99, § 47, 17 de julho de 2007, CF Mrebeti c. Geórgia, nº 38736/04, § 61, 31 de julho de 2007, Paykar Yev Haghtanak c. Arménia, nº 21638/03, § 58, 20 de dezembro 2007, Cudak c. Lituânia (GC), nº 15869/02, § 79, 23 de março de 2010, Kostadin Mihailov c. Bulgária, nº 17868/07, § 60, 27 de março de 2008, Vusic c. Croácia, nº 48101/07, § 58, 1 de julho de 2010, Bulfracht Ltd c. Croácia, nº 53261/08, § 46, 21 de junho de 2011, e Vojtěchová c. Eslováquia, nº 59102/08, §§ 27 e 48, 25 de setembro de 2012.

[46] Freitag c. Alemanha, nº 71440/01, § 61, 19 de julho de 2007. O caso cita Sejdovic, supra citado, § 119, e Monnat c. Suíça, nº 73604/01, § 84, TEDH 2006, no qual o Tribunal tinha recusado o levantamento de uma proibição à venda da reportagem em questão, medida que tinha sido considerada contrária ao artigo 10º da Convenção.

[47] Ver Yanakiev c. Bulgária, nº 40476/98, § 90, 10 de agosto de 2006; Lesjak c. Croácia, nº 25904/06, § 54, 18 de fevereiro de 2010; Putter c. Bulgária, nº 38780/02, § 62, 2 de dezembro de 2010; e Kardoš c. Croácia, nº 25782/11, § 67, 26 de abril de 2016.

[48] Ver Vojtěchová c. Eslováquia, nº 59102/08, §§ 27 e 48, 25 de setembro de 2012; Harabin c. Eslováquia, nº 58688/11, §§ 60 e 178, 20 de novembro de 2012; e Zachar e Čierny c. Eslováquia, nºs 29376/12 e 29384/12, § 85, 21 de julho de 2015.

[49] Ver, por exemplo, HU, supracitado, § 71, ou Sacettin Yildiz, supracitado, § 55, e Flueras c. Roménia, n.º 17520/04, de 9 de abril de 2013 (citado erradamente o acórdão Gencel). 

[50] Ver, por exemplo, Karelin, supracitado, § 97, Scoppola, supracitado, § 154, e Oleksandr Volkov, supra citado, § 206.

[51] Ver Lungoci c. Roménia, nº 62710/00, 26 de janeiro de 2006. O mesmo aconteceu no acórdão Ajdarić c. Croácia, nº 20883/09, 13 de dezembro de 2011.

[52] Ver Maksimov c. Azerbaijão, nº 38228/05, 8 de outubro de 2009, e Claes e Outros, supra citado.

[53] Ver Gladysheva c. Rússia, nº 7097/10, § 106, 6 de dezembro de 2011, e Anna Popova c. Rússia, nº 59391/12, § 48, 4 de outubro de 2016.

[54] Ver Ponyayeva e Outros c. Rússia, nº 63508/11, § 66, 17 de novembro de 2016; Alentseva c. Rússia, nº 31788/06, § 86, 17 de novembro de 2016; e Pchelintseva e Outros c. Rússia, nº 47724/07, § 110, 17 de novembro de 2016.

[55] Ver Gluhaković c. Croácia, nº 21188/09, § 89, 12 de abril de 2011, Plotnikovy c. Rússia, nº 43883/02, § 33, 24 de fevereiro de 2005, e Makarova e Outros c. Rússia, nº 7023/03, § 37, 24 de fevereiro de 2005. No entanto, apesar de se deparar com exatamente a mesma situação no acórdão OOO Rusatommet c. Rússia, nº 61651/00, § 33, 14 de junho de 2005, o Tribunal absteve-se de fazer o mesmo.

[56] Ver Laska e Lika c. Albânia, nºs 12315/04 e 17605/04, § 76, 20 de abril de 2010. Confrontado com um problema sistémico semelhante no caso Karelin c. Rússia, nº 926/08, 20 de setembro de 2016, o Tribunal não seguiu a mesma abordagem.

[57] Este caso difere do caso Klaus e Iouri Kiladzé c. Geórgia, nº 7975/06, §§ 85 e 90, 2 de fevereiro de 2010, que estabeleceu uma compensação como alternativa à adoção de medidas de ordem geral. No caso Ürper e Outros c. Turquia, nºs 14526/07, 14747/07, 15022/07, 15737/07, 36137/07, 47245/07, 50371/07, 50372/07 e 54637/07, § 52, 20 de outubro de 2009, e Gözel e Öser c. Turquia, nºs 43453/04 e 31098/05, § 76, 6 de julho de 2010, o Tribunal ordenou a introdução de medidas legislativas, i.e., medidas de caráter geral, para além da compensação.

[58] Ver M.S.S. c. Bélgica e Grécia [GC], nº 30696/09, § 402, TEDH 2011.

[59] Esta era a posição do Tribunal mesmo quando fazia a distinção entre decisão sobre o mérito e decisão sobre a reparação razoável (ver Barberà, Messegué e Jabardo c. Espanha, acórdão de 13 de junho de 1994, Série A nº 285-C, p. 56, para. 15, e Schuler-Zgraggen c. Suíça (Artigo 50º), nº 14518/89, §§ 14 e 15, 31 de janeiro de 1995). Atualmente, tem sido atribuída reparação razoável mesmo quando a cláusula de reabertura figura na parte dispositiva do acórdão (ver Lungoci, supra citado).

[60] Ver Bocos-Cuesta c. Holanda, nº 54789/00, § 82, 10 de novembro de 2005; Kaste e Mathisen c. Noruega, nºs 18885/04 e 21166/04, § 61, 9 de novembro de 2006; Vusic c. Croácia, nº 48101/07, § 58, 1 de julho de 2010; e Bulfracht Ltd c. Croácia, nº 53261/08, § 47, 21 de junho de 2011.

[61] Ver Caes e Outros, supra citado.

[62] Ver Taxquet c. Bélgica (GC), nº 926/05, § 107, 16 de novembro de 2010; Delespesse c. Bélgica, nº 12949/05, § 44, 27 de março de 2008; Nikolitsas c. Grécia, nº 63117/09, § 47, 3 de julho de 2014; e Mitrov c. a antiga República Jugoslava da Macedónia, nº 25703/11, § 64, 2 de junho de 2016. 

[63] Ver Dvorski c. Croácia (GC), nº 25703/11, § 117, 20 de outubro de 2015.

[64] Ver parágrafo 53 do acórdão.

[65] Ver parágrafo 28 do acórdão.

[66] O vínculo lógico e ontológico entre restitutio in integrum e a reabertura do processo penal já foi estabelecido no acórdão Piersack c. Bélgica (Artigo 50º), supra citado, § 11. Deve referir-se que, neste caso, a reabertura resultou numa pena idêntica à que tinha sido inicialmente imposta. Apesar disso, o Tribunal considerou que o segundo processo interno “tinha provocado um resultado o mais próximo possível da restitutio in integrum como a natureza das coisas permitia”, uma vez que o novo julgamento perante o tribunal de segunda instância tinha cumprido todas as garantias da Convenção.

[67] Neste sentido, ver artigo 34º do Projeto de artigos e o respetivo comentário, parágrafo 2.

[68] Neste sentido preciso, ver o comentário ao artigo 35º do Projeto de artigos, parágrafo 3.

[69] Ver o Relatório Explicativo da Recomendação.

[70] Ver parágrafo 16 do acórdão.

[71] Ver parágrafo 17 do acórdão.

[72] Na elaboração desta opinião, consultei a legislação de todos os Estados-Membros do Conselho da Europa e verifiquei as informações com recurso á “Compilação de contribuições escritas sobre a provisão de reexame ou reabertura de um caso no seguimento de um acórdão do Tribunal nos ordenamentos jurídicos nacionais” de 31 de março de 20126 (DH-GDR(2015)002REV), preparada pelo Comité Diretor de Direitos Humanos (CDDH) e pelo Comité de Peritos sobre a Reforma do Tribunal (DH-GDR), bem como todo o material disponível perante o Tribunal Pleno.

[73] Introduzidas pela Lei nº 16/2014 de 27 de julho de 2014, estas disposições ainda não foram aplicadas até ao momento.

[74] Notavelmente, por acórdão de 1 de agosto de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça da Áustria ampliou o seu poder em matéria de reabertura em processo penal. Neste caso, o Supremo Tribunal aplicou, de forma análoga, os critérios de admissibilidade dos artigos 34º e 35º da Convenção.

[75] Ver, entre outros, a decisão P.08.05 F, de 9 de abril de 2008, do Tribunal de Cassação Belga.

[76] Além disso, coletividades locais da Bósnia e Herzegovina também preveem o direito à reabertura nas situações em que o Tribunal constate uma violação de direitos humanos e sempre que a decisão interna se tenha baseado nessa violação (Código de Processo Penal da Federação da Bósnia e Herzegovina, artigo 343º § 1 (f); Código de Processo Penal da República Srpska, artigo 342º § 1 (đ); Código de Processo Penal do Distrito de Brčko, artigo 327º § 1 (f). No seguimento do acórdão do Tribunal no caso Maktouf e Damjanovic, os processos criminais em causa foram reabertos.

[77] Ver a decisão nº U-III-3304/2011, de 23 de janeiro de 2013, do Tribunal Constitucional da Croácia, que estabeleceu critérios para a análise do pedido de reabertura do processo com base numa constatação de uma violação da Convenção pelo Tribunal.

[78] Na República Checa, a reabertura do processo na sequência de um acórdão do Tribunal é possível nos casos em que o Tribunal Constitucional o determine. Ao abrigo do artigo 119º da Lei do Tribunal Constitucional (nº 182/1993), o interessado pode solicitar a reabertura do processo perante o Tribunal Constitucional se o Tribunal tiver considerado que os seus direitos foram violados. Sobre a jurisprudência nacional, ver “Compilação”, supracitada, pág. 15.

[79] Até agora, o Supremo Tribunal de Justiça não recebeu nenhum pedido ao abrigo desta Lei. A Lei foi adotada para cumprir dois acórdãos do Tribunal (ver Kyprianou c. Chipre e Panovitz c. Chipre).

[80] Sobre a jurisprudência interna ver “Compilação”, supra citada, págs. 67.

[81] Sobre a jurisprudência interna ver “Compilação”, supra citada, págs. 37-42.

[82] Ver a reabertura do processo no seguimento decisões de princípio Taktakishvili c. Geórgia (dec.), nº 46055/06, 16 de outubro de 2012, e Sulkan Molashvili c. Geórgia (dec.), nº 39726/04, 30 de setembro de 2014.

[83] Não existe uma presunção legal de nexo de causalidade entre a violação de direitos processuais fundamentais protegidos pela Convenção e um acórdão definitivo (ver decisão do Tribunal Constitucional Federal de 12 de janeiro de 2000). Por exemplo, no caso Gäfgen, o Tribunal de recurso de Frankfurt rejeitou a reabertura do processo porque, na sua opinião, a violação da Convenção no decurso da instrução não tinha tido impacto na condenação final proferida pelo acórdão impugnado, uma vez que a condenação interna tinha sido baseada na confissão do acusado durante a fase de julgamento (Tribunal Regional Superior de Frankfurt, decisão de 29 de junho de 2012).

[84] Sobre a jurisprudência interna, ver os acórdãos do Supremo Tribunal da Grécia nºs 159/2005, 2214/2005, 1566/2010 e 1613/2010.

[85] Ver, por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Hungria, ordenando sobre reabertura do processo interno, nos casos Vajnai c. Hungria, Fratanolo c. Hungria e Magyar c. Hungria.

[86] Sobre a jurisprudência interna ver “Compilação”, supracitada, págs. 55-56.

[87] Sobre a jurisprudência nacional ver “Compilação”, supracitada, pág. 60.

[88] Ver, por exemplo, acórdão do Tribunal de Cassação de 9 de junho de 2016 (n° 26/16 pén., n° 3742).

[89] Sobre a jurisprudência interna ver “Compilação”, supracitada, pág. 64.

[90] Ver, por exemplo, o acórdão do Supremo Tribunal de 7 de setembro de 2016 na sequência do acórdão Kristiansen c. Noruega.

[91] Ver a resolução interpretativa do Supremo Tribunal da Polónia de 26 de junho de 2014 e outra jurisprudência na “Compilação”, supracitada, págs. 71-72.

[92] Sobre a jurisprudência nacional ver “Compilação”, supracitada, págs. 80-82.

[93] Tal como alterada pela Leia de 24 de fevereiro de 2000, nº 20, e subsequentemente pela Lei de 24 de junho de 2003, nº 89. Só existiu um caso em que a reabertura foi ordenada, no seguimento do acórdão Tierce c. San Marino.

[94] Ver, por exemplo, a reabertura ordenada no seguimento do acórdão Zachar e Čierny (CM/ResDH(2016)294).

[95] Sobre a jurisprudência interna ver “Compilação”, supracitada, pág. 107, e, em particular, o acórdão de princípio do Tribunal Constitucional nº 245/1991, de 16 de dezembro de 1991, no seguimento do acórdão Barberà, Messegué e Jabardo c. Espanha. Ver também o acordo não jurisdicional do Supremo Tribunal de 21 de outubro de 2014 e o acórdão nº 145/2015, de 12 de março de 2015, no seguimento do acórdão Almenara Alvarez c. Espanha.

[96] Sobre a jurisprudência interna ver “Compilação”, supracitada, pág. 116, e, em particular, o acórdão do Tribunal Federal da Suíça nº 6S.362/2006 de 3 de novembro de 2006.

[97] Ver, por exemplo, Öcalan c. Turquia (dec.), nº 5980/07, 6 de julho de 2010, e Erdemli c. Turquia (dec.), nº 33412/03, 5 de fevereiro de 2004.

[98] Ver, por exemplo, Yaremenko c. Ucrânia (nº 2), nº 66338/09, 30 de abril de 2015, e o procedimento de reabertura no seguimento do acórdão Zhyzitskyy c. Ucrânia.

[99] Ver artigo 456º do Código de Processo Penal da República do Azerbaijão. O Governo pode, com discricionariedade, pedir a reabertura, estando o Plenário do Supremo Tribunal obrigado a reabrir o processo no prazo de três meses a contar da data em que recebeu cópia do acórdão definitivo do Tribunal. A vítima de direitos humanos não tem direito a pedir a reabertura.

[100]  Sobre a jurisprudência interna, ver “Compilação”, supra citada, págs. 86-87. O Plenário do Supremo Tribunal, no seu acórdão nº 21 de 27 de junho de 2013, sublinhou que, ao ponderar sobre a necessidade de revisão de uma sentença, o nexo de causalidade entre a violação declarada da Convenção e a persistência das consequências negativas sofridas pelo requerente devem ser tidas em consideração. Por decisão de 6 de dezembro de 2013, o Tribunal Constitucional da Rússia realçou que “um tribunal de competência geral não pode recusar a revisão duma decisão judicial, que tenha transitado em julgado, na fase de admissibilidade devido a um acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.” Mais recentemente, na decisão de 14 de janeiro de 2016, o Tribunal Constitucional da Rússia referiu que “Se [o Tribunal] tiver constatado uma violação da Convenção, em particular, devido a falta de equidade de um acórdão penal transitado em julgado por erro material grave que afete a substância do acórdão e, portanto, esse acórdão deva ser revisto, o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça está obrigado a introduzir o pedido respetivo [de revisão].” A vítima de direitos humanos não tem direito a pedir a reabertura.

[101] Na Albânia, o Tribunal Constitucional reconheceu, com base na interpretação dos artigos 10º e 450º do Código de Processo Penal, o poder do Supremo Tribunal para ordenar a revisão de decisões transitadas em julgado com base nas constatações do Tribunal.   Sobre a jurisprudência interna ver “Compilação”, supracitada, págs. 3-4.

[102] Ao abrigo da secção 977 (1) da lei dinamarquesa sobre administração da justiça, uma pessoa condenada pode solicitar a reabertura do processo penal se existirem, de forma evidente, circunstâncias especiais que indiquem que o caso não foi bem julgado. Aliás, o acórdão Jersild, proferido pelo Tribunal levou à reabertura do processo por ter sido considerado uma “circunstância especial” (ver Resolução DH (95) 212). A prática tem sido restritiva, uma vez que a reabertura nestas circunstâncias foi ordenada apenas num outro caso.

[103] Capítulo 31, secção 1, subsecção 1, sub-parágrafo 4, e secção 8 e secção 8 (a) do Código de Processo Judicial da Finlândia. A prática do Supremo Tribunal não tem sido uniforme, mas a decisão de princípio de 24 de maio de 2012 remete para a Recomendação 2000 (2) (ver “Compilação”, supra citada, págs. 27-29).

[104] A reabertura só pode ser pedida se tiverem existido vícios materiais no processo que tenham afetado o resultado do litígio. Os critérios para a reabertura do processo são regulados pela Lei de Processo Penal (secções 211 e 215), nomeadamente em caso de aparecimento de nova prova que seria de grande importância para o resultado do caso se estivesse disponível antes do acórdão final ter sido proferido. Por exemplo, no seguimento do acórdão Arnarsson c. Islândia, o processo interno foi reaberto.

[105] Na Irlanda, qualquer requerente que tenha obtido uma constatação de violação do artigo 6º está abrangido pelas disposições da secção 2 da Lei de Processo Penal de 1993, que permite que uma pessoa condenada que invoque erro devido a novos factos – ou factos recentemente descobertos – possa recorrer para o Tribunal de recurso penal solicitando a anulação da condenação. Aliás, no seguimento do acórdão do Tribunal no caso Quinn c. Irlanda, o Tribunal Supremo anulou, com essa base, a condenação. Este é o único exemplo existente.

[106] No acórdão nº 113 de 4 de abril de 2011, o Tribunal Constitucional Italiano considerou que o artigo 630º do Código de Processo Penal era ilegítimo por não incluir, entre as situações em que podia haver revisão, a reabertura do processo criminal na sequência de um acórdão do Tribunal que constate uma violação da Convenção. Mas previamente a este acórdão, o Supremo Tribunal já tinha admitido a revisão ou a reabertura do processo criminal no seguimento de acórdãos do Tribunal com base, nomeadamente, no artigo 670º do Código de Processo Penal. Ver como exemplos do Tribunal da Cassação os acórdãos nº 2800/2006, no caso Dorigo, antes da intervenção do Tribunal Constitucional, e nº 4463/2011, no caso Labita, depois da intervenção do Tribunal Constitucional.

[107] O Supremo Tribunal da Suécia considerou, no seu acórdão de 13 de julho de 2013, que a reabertura poderia ser concedida em certas situações, fundadas no artigo 13º da Convenção e da lei processual sueca. Este poderá ser o caso em situações em que a reabertura seja considerada uma medida de reparação razoável bem mais adequada que outras medidas disponíveis, desde que a violação em causa tenha uma natureza grave.

[108] Ao abrigo do artigo 13º da Lei de Recurso Penal de 1995, a Comissão de controle de casos penais remete o caso ao tribunal de recurso quando considera “que existe uma possibilidade real de a condenação não ser mantida se tal remessa tiver lugar”. Depois do acórdão Salduz, os critérios para recorrer à Comissão de controlo de casos penais da Escócia foram alterados (artigo 194º C (2) da Lei de Processo Penal (da Escócia) de 1995, tal como modificado).

[109] Todavia, no relatório de 2008, o CDDH também inclui Malta, Irlanda e o Reino Unido entre os Estados-Membros em que a reabertura do processo penal era possível (CDDH(2008)008 Add. I, § 8).

[110] No passado, ao abrigo do Código de Processo Penal anterior, só existiam dois casos de reabertura do processo penal na sequência de acórdãos do Tribunal, nos casos Stanimirovic c. Sérvia e Hajnal c. Sérvia. 

[111] Ver artigo 408 do Código de Processo Penal da Arménia.

[112] Ver artigo 416º do Código de Processo Penal da Eslovénia. Até recentemente não existia prática de reabertura de processos criminais na sequência de um acórdão do Tribunal (“Compilação”, supracitada, pág. 96), mas ver também a decisão do Tribunal Constitucional da Eslovénia nº U-I-223/09, Up-140/02 de 14 de abril de 2001, sobre reabertura de processos de natureza civil.

[113] Comité de Peritos sobre a reforma do Tribunal (DH-GDR): Balanço da troca de opiniões feita na 8ª reunião do DH-GDR sobre as possibilidades, no ordenamento jurídico, de revisão e de reabertura no seguimento de acórdãos do Tribunal, pág. 4, §. 8. Depois do acórdão Steck-Risch e outros c. Liechtenstein, nº 63151/00, os requerentes solicitaram a reabertura do processo interno; os tribunais nacionais rejeitaram o pedido, o que deu origem ao caso Steck-Risch c. Liechtenstein (Nº 2). Esta queixa foi declarada inadmissível.

[114]   Ver a interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez do artigo 449º § 1 (g) no seu acórdão de princípio de 27 de maio de 2009.

[115] Como circunstância que deve ser tida em consideração na ponderação sobre a necessidade de revisão de uma sentença, de acordo com o acórdão nº 21 de 27 de junho de 2013 do Plenário do Supremo Tribunal da Rússia.

[116] Um dos fundamentos possíveis de reabertura, de acordo com a jurisprudência da Suécia, é que essa medida seja necessária para fazer cessar uma privação da liberdade que constitui violação dos direitos do indivíduo. Ver decisão do Supremo Tribunal de 13 de julho de 2013.

[117] Ver acórdão de princípio do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de maio de 2009.

[118]  Reabertura no seguimento do acórdão Xheraj c. Albânia, 29 de julho de 2008.

[119]  Reabertura no seguimento do acórdão Fraumens c. França, 10 de janeiro de 2013.

[120]  Reabertura no seguimento dos acórdãos Popovici c. Moldávia, 27 de novembro de 2007, e Almenara Alvarez c. Espanha, 25 de outubro de 2011.

[121]  Reabertura no seguimento do acórdão Taal c. Estónia, 22 de novembro de 2005.

[122]  Reabertura no seguimento do acórdão Lalas c. Lituânia, 1 de março de 2011.

[123]  Reabertura no seguimento do acórdão A.P., M.P. e T.P. c. Suíça, 29 de agosto de 1997.

[124] No Liechtenstein não existe possibilidade de reabertura do processo penal com base num acórdão do Tribunal; essa possibilidade existe no Azerbaijão e na Rússia, mas as vítimas de violações de direitos humanos não têm um direito individual à reabertura do processo.

[125] Ver, inter alia, Zawadzki c. Polónia (dec.), nº 34158/96, 6 de julho de 1999, e Sablon c. Bélgica, nº 36445/97, § 86, 10 de abril de 2001.

[126] Ver Bochan c. Ucrânia (nº 2) [GC], nº 22251/08, § 50, 5 de fevereiro de 2015.

[127] Ver Yaremenko c. Ucrânia (nº 2), supra citado. 

[128] Ver parágrafo 65 do acórdão.

[129] Ver parágrafo 72 do acórdão.

[130] Isto está em conformidade com a posição adotada pelo Comité de Ministros na Resolução DH (2004) 31 no caso Sadak, Zana, Dogan e Dicle c. Turquia, de acordo com a qual os Estados têm de garantir o princípio da presunção de inocência e os princípios sobre detenção provisória durante o procedimento de reabertura. Por outras palavras, os artigos 5º e 6º da Convenção aplicam-se depois da decisão de reabertura do processo penal.

[131] Ver, inter alia, Mehemi c. França (nº 2), nº 53470/99, § 43, TEDH 2003 IV, e Verein gegen Tierfabriken Schweiz (VgT) c. Suíça (nº 2) [GC], supra citado, § 62.

[132] Ver Emre c. Suíça (nº 2), nº 5056/10, 11 de outubro de 2011.

[133] Ver Emre c. Suíça, nº 42034/04, 22 de maio de 2008.

[134] Ver Emre c. Suíça (nº 2), supracitado, § 75.

[135] Ver parágrafo 70 do acórdão.

[136] Ver parágrafo 60 (b) do acórdão.

[137] Ver parágrafo 69 do acórdão.

[138] Ver parágrafo 43 do acórdão.

[139] Ver parágrafo 72 do acórdão.

[140] Ver, por exemplo, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de junho de 2015, processo interno nº 157/05.4JELSB-O.01, e de 26 de março de 2014, processo interno nº 5918/06.4TDPRT.P1.

[141] Ver parágrafo 72 do acórdão.

[142] A argumentação utilizada pela maioria nos parágrafos 69 e 72 é um exemplo de escola de uma linha de argumentação escorregadia. Inicialmente, a maioria tinha interpretado a competência do Supremo Tribunal de Justiça conferida pelo artigo 449º § 1 (g) do Código de Processo Penal como “ordenando” a revisão, para depois reconhecer que a decisão do Supremo Tribunal de Justiça “era suscetível de ser determinante” para o fundamento da acusação penal e concluir que o Supremo Tribunal de Justiça estava “focado sobre o fundamento”.

[143] Ao faze-lo, a maioria contraria a jurisprudência consolidada (Jeronovics c. Letónia (GC), nº 44898/10, § 120, TEDH 2016).

[144] Ver parágrafos 29 e 30 do acórdão.

[145] Comentário ao artigo 35º do Projeto de artigos, parágrafo 8: “a restituição não é impossível unicamente com base em dificuldades jurídicas ou práticas, mesmo que o Estado responsável possa ter de adotar particulares esforços para as ultrapassar. Nos termos do artigo 32º (do Projeto de artigos) o Estado responsável não pode invocar disposições do direito interno para justificar o incumprimento quanto á atribuição de uma reparação completa.”

[146] Ver parágrafo 90 do acórdão.

[147] Na análise da própria jurisprudência do Tribunal, a maioria do Tribunal Pleno não distingue entre direito à reabertura em geral do direito à reabertura no seguimento da constatação de uma violação da Convenção pelo Tribunal.

[148] Ver parágrafo 53 do acórdão.

[149] Ver parágrafo 53 do acórdão.

[150] Ver parágrafo 91 do acórdão.

[151] Ver parágrafos 53 e 91 do acórdão.

[152] Ver parágrafo 96 do acórdão.

[153] Ver parágrafo 93 do acórdão.

[154] Ver parágrafos 95 e 98 do acórdão. Poderia aqui discutir-se se a margem de apreciação é sequer aplicável à reabertura do processo penal, uma vez que esta questão é regulada por uma disposição inderrogável (artigo 3º do Protocolo Nº 7 (3)). De forma totalmente contraditória, a falta de qualquer latitude na interpretação do artigo 449º foi efetivamente reconhecida pela maioria do Tribunal Pleno (ver parágrafo 69 do acórdão).

[155] Ver Moreira Ferreira, supracitado, § 33.

[156] Ver Verein gegen Tierfabriken Schweiz (VgT) (nº 2), supracitado, § 90.

[157] Deve referir-se, a propósito, que o Supremo Tribunal de Justiça espanhol, no seu acórdão nº 145/2015, supracitado, adotou uma posição diferente e muito mais protetora dos direitos humanos num conjunto de circunstâncias semelhantes ao ordenar a reabertura do processo depois de, no acórdão Almenara Alvarez c. Espanha, o Tribunal ter constatado uma violação do artigo 6º da Convenção em razão da não existência de uma audiência pública diante do tribunal de segunda instância que condenou o requerente.

[158] Ver parágrafos 16 e 17 do acórdão.

[159] Perante o Tribunal, o Governo argumentou que a reabertura não teria consequências práticas no caso em apreço, uma vez que a pena já tenha sido cumprida e, por essa razão, estava extinta. Este argumento não deve proceder. O artigo 449º § 4 do Código de Processo Penal permite, especificamente, a reabertura mesmo nos casos em que a pena já tinha sido cumprida na sua totalidade. O Governo também informou o Comité de Ministros da adoção de uma proposta de reforma do Código de Processo Penal português com vista a resolver o tipo de deficiências encontradas no acórdão Moreira Ferreira. Na verdade, esta proposta nunca foi submetida ao Parlamento (ver parágrafo 22 do acórdão).

[160] Ver parágrafos 90 e 96 do acórdão.

[161] Ver parágrafo 98 do acórdão.

[162] Ver Benthem c. Holanda, nº 8848/80, § 40, 23 de outubro de 1985, onde o Tribunal afirmou que “a competência para decidir é inerente à própria noção de ‘tribunal’ no sentido da Convenção.”

[163]  Como se pode constatar, inter alia, da “Compilação de contribuições escritas sobre a revisão ou a reabertura de um caso no seguimento de um acórdão do Tribunal nos ordenamentos jurídicos nacionais” de 31 de março de 2016, preparada pelo Comité Diretor em matéria de Direitos Humanos e pelo Comité de Peritos sobre a Reforma do Tribunal, extensivamente citado na opinião separada do juiz Pinto de Albuquerque.

[164]  Não quero aqui entrar na análise da interpretação das disposições legislativas nacionais nem da análise que o Tribunal fez dessa interpretação. De qualquer modo devo dizer, mesmo incidentalmente, que estou cético quanto à conclusão de que essas disposições permitiam, de facto, justificar a não reabertura do processo. Na minha opinião, estas disposições, em conjunto com o acórdão do Tribunal de 5 de julho de 2011 (o parágrafo 41 em particular) e com a Recomendação Nº R (2000) 2 (bem como o memorando explicativo, com o enfâse que dá ao princípio da igualdade de armas; ver parágrafo 33 do acórdão), apelavam à reabertura.

[165]  Ou mesmo sem qualquer procedimento judicial, ou seja, através de ato legislativo, de natureza política? Ver, por exemplo, o recente acórdão Béres e Outros c. Hungria (nºs 59588/12, 59632/12 e 59865/12, 17 de janeiro de 2017).