Tribunal Europeu dos Direitos Humanos

2.ª Seção

Caso Rolim Comercial, S.A. c. Portugal

Queixa n.º 16153/09

Acórdão, Estrasburgo 16 de Abril de 2013

Definitivo a partir de 16/07/2013.

No caso Rolim Comercial, S.A. c. Portugal,

O Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (Segunda Seção), reunindo em câmara composta por:

Srs. G. Raimondi, Presidente,

Peer lorenzen,

Dragoljub Popovic,

András Sajó,

Nebojsa Vucinic,

Paulo Pinto de Albuquerque,

Helen Keller, Juízes,

E pelo Sr. Stanley Naismith, Secretário de Seção,

Após ter deliberado em conferência de 26 de Março de 2013,

Profere o seguinte Acórdão, adotado nesta data:

 

PROCESSO

1. Na origem do caso está uma queixa (n.º 16153/09 http://hudoc.echr.coe.int/sites/fra/pages/search.aspx?i=001-118577) contra a República Portuguesa por uma sociedade anónima de direito português, Rolim Comercial, S.A. (“A Requerente”), apresentada perante o Tribunal em 23 de Março de 2009, nos termos do artigo 34º da Convenção para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais (“A Convenção”).

2. A Requerente está representada pelo Dr. Brito Camacho, advogado em Lisboa. O Governo Português (“O Governo”) está representado pela sua Agente, M.F. Carvalho, Procuradora-Geral Adjunta.

3. A Requerente alega ter sido privada da sua propriedade sem indemnização.

4. Em 9 de Julho de 2010, a queixa foi comunicada ao Governo. Tal como permite o artigo 29.º § 1 da Convenção, foi ainda decidido que a Seção pronunciar-se ia simultaneamente sobre a admissibilidade e sobre o fundo.

OS FACTOS

I. AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO

5. A Requerente é uma sociedade anónima de direito Português tendo a sua sede em Cascais (Portugal).

A. A génese do processo

6. Em 6 de Outubro de 1976, a Requerente comprou, numa hasta pública, um terreno de 11 780 m2, sito em Oeiras, tendo registado a aquisição no registo predial em 23 de Novembro de 1978.

7. Em Junho de 1991, a Câmara Municipal de Oeiras mandou construir sobre uma parte deste terreno, um viaduto rodoviário, uma via de acesso e uma passagem para peões. Estas construções ocupavam uma parcela de 6 639 m2 do terreno da Requerente bem como um terreno confinante, propriedade da Câmara.

8. Tendo tomado conhecimento de que o seu terreno acabava de ser classificado como zona urbana, pelo Plano Diretor Municipal (“PDM”) de Oeiras, em 26 de Abril de 1994 a Requerente dirigiu uma carta à Câmara Municipal de Oeiras, solicitando informação sobre a possibilidade de construção que o seu terreno oferecia. Não obteve, contudo, nenhuma resposta. Tomou então conhecimento de que a Câmara tinha efetuado obras sobre o seu terreno.

9. A Requerente alega ter empreendido diligências entre 1994 e 1998, no sentido de uma resolução amigável do caso junto da Câmara Municipal, mas sem êxito, sustentando a Câmara ser a proprietária do terreno em questão.

 

B. O processo nos tribunais administrativos

10. Em 10 de Julho de 1998, a Requerente instaurou no Tribunal Administrativo de Lisboa uma ação visando o reconhecimento dos seus direitos contra a Câmara Municipal de Oeiras. Alegou que, sem que tivesse conhecimento, esta última tinha, nomeadamente, erigido um viaduto rodoviário no seu terreno sem que tivesse tido lugar um processo de expropriação. A Requerente reclamou o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o referido terreno e pediu ao Tribunal para determinar à Câmara de Oeiras a destruição do viaduto rodoviário.

11. Em 2 de Dezembro de 1998, a Câmara contestou o direito de propriedade da requerente sobre a parcela do terreno em causa.

12. Em 20 de Setembro de 1999, apresentou a suas conclusões, excecionando a incompetência ratione materiae do Tribunal.

13. Por sentença de 12 de Maio de 2000, o Tribunal Administrativo de Lisboa aceitou a exceção invocada, declarando-se incompetente ratione materiae. Em apoio da sua decisão, salientou que:

 

«(...) No caso concreto (...) a autora também pretende ver reconhecido, ao menos de modo implícito, o seu direito de propriedade sobre a parcela de terreno onde a Câmara Municipal de Oeiras levou a cabo a construção de um viaduto.

(...) ao contrário do que a Autora alega, não é verdade que seja incontestado o seu direito de propriedade.

 (...) Não é facto assente, porém, que seja dona da parcela de terreno onde foi construído um viaduto por iniciativa do município demandado. E é precisamente isso que aqui se discute: se essa parcela de terreno está incluída ou não no prédio da autora.

(...) o pedido de reconhecimento do direito a ver demolido o viaduto a expensas da ré não é (...) substancialmente distinto do pedido de reconhecimento do direito de propriedade.

(...)

A competência dos tribunais administrativos e fiscais restringe-se, pois, ao âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais, tal como também é referido na lei ordinária – artigo 3.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

Em consonância com este princípio, dispõe o artigo 4.º, n.º 1, alínea f), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que estão excluídas desta jurisdição as questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público.

A questão que aqui se coloca é portanto, a de saber se estamos perante uma relação jurídica privada ou perante uma relação jurídica administrativa.

Ora a situação que a autora nos relata, embora envolva uma pessoa de direito público, não é distinta de uma relação entre pessoas de direito privado: uma que se arroga o direito de propriedade sobre determinado prédio e outra que, alegadamente, em violação deste direito, leva a cabo uma construção que a primeira, mercê do arrogado direito de propriedade, pretende ver demolida.

Na verdade a autoridade demandada não praticou qualquer ato munida do poder de autoridade, como seria o caso se tivesse procedido à expropriação do terreno.

Limitou-se, no que diz respeito à parcela de terreno aqui em construção, a construir sobre o mesmo, no pressuposto de que lhe pertencia.

Procede, pelo exposto, a exceção de incompetência material.

(...).»

 

14. A Requerente não recorreu desta decisão.

 

C. O processo nos tribunais cíveis

15. Em 7 de Fevereiro de 2003 a Requerente propôs no Tribunal de Oeiras uma ação cível contra a Câmara Municipal de Oeiras. Pediu o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o terreno em causa, a restituição do terreno no estado em que se encontrava antes das obras e uma indemnização pelos prejuízos sofridos em razão da invasão e da ocupação do seu terreno. Alegou, igualmente, não ter podido vender o referido terreno em 1994 por força desta ocupação e, em consequência, ter perdido uma vantagem cujo montante atual seria determinado em ulterior processo executivo.

16. A Câmara Municipal de Oeiras apresentou a sua contestação. Alegou ser a proprietária do terreno litigioso por virtude de uma doação por escritura pública de 26 de Agosto de 1975. Também fez valer que ocupava o terreno de modo pacífico e de boa fé, salientando que a Requerente nunca tinha agido na qualidade de proprietária durante vinte anos e que, por isso, só tinha tomado conhecimento das obras em 1994.

17. Por sentença de 29 de Junho de 2006, o Tribunal de Oeiras deu parcialmente razão à Requerente. Reconheceu o seu direito de propriedade sobre o terreno de 11 780 m2 sito em Oeiras e intimou à Câmara Municipal a entrega de uma parcela correspondente a 6 639 m2 no estado em que se encontrava antes das obras. Condenou igualmente a Câmara Municipal a pagar à Requerente uma indemnização correspondente ao valor de terreno, atualizado de 1994 a 2002, para reparar o prejuízo sofrido, remetendo a fixação da indemnização para ulterior processo de execução.

18. A Câmara Municipal de Oeiras interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. Contestando a apreciação das provas feita pelo Tribunal de Oeiras, reiterou ser proprietária e estar na posse do terreno sobre o qual foi construído um viaduto rodoviário desde 1975. Fez igualmente valer que a Requerente nunca tinha manifestado qualquer oposição a este respeito, nem depois da construção do viaduto, em 1986. Deduziu que estavam reunidas as condições para a aquisição por usucapião.

19. Por acórdão de 24 de Janeiro de 2008, o Tribunal da Relação rejeitou o recurso e confirmou integralmente a sentença impugnada. Considerou que os factos tinham sido corretamente fixados, tendo em conta os meios de prova apresentados pelas partes. Salientou, assim, que o terreno doado à Câmara Municipal de Oeiras em 1975 era distinto daquele que a Requerente havia adquirido em 1976 e que o viaduto em causa fora construído sobre uma parcela do terreno da Requerente, ocupando 6 639 m2 deste. O Tribunal da Relação rejeitou igualmente o argumento referente à aquisição por usucapião do terreno sobre o qual fora edificado o viaduto.

20. A Câmara Municipal de Oeiras recorreu para o Supremo tribunal. Reiterou que ocupava de modo contínuo o terreno litigioso desde 1975 sem que a Requerente tivesse manifestado a menor oposição a este respeito, nem mesmo depois da construção do viaduto, em 1986, e que as condições da aquisição por usucapião se encontravam assim preenchidas.

21. Por acórdão de 24 de Junho de 2008, o Supremo Tribunal anulou as decisões das instâncias a quo e rejeitou os pedidos da Requerente, sem que, por isso, tenha aceite as razões invocadas pela Câmara Municipal. A Alta Jurisdição considerou, em primeiro lugar, que tinha existido, no caso, uma expropriação de facto e que a parcela do terreno da Requerente em questão era agora pertença do domínio público. Entendeu que, se tal ato abria o direito a uma indemnização na esfera jurídica da Requerente, não era, todavia, possível restituir-lhe o terreno no seu estado inicial, pois a privação da propriedade prosseguia uma finalidade social. No caso, o Supremo Tribunal exprimiu-se assim:

«(...) perante uma situação, como esta, de facto consumado, em que a parcela passou a integrar o domínio público (...) não vislumbramos como é possível a sua subtração a este estatuto por via de uma ação de reivindicação.

Temos, assim, que a solução a dar ao caso passa pelo reconhecimento dessa realidade, o que vale por dizer que passa pela convocação do instituto da responsabilidade civil por atos ilícitos, tirando-se daí todas as consequências.

(...)

É ponto assente que, por via de ato da Administração do Município de Oeiras, a autora se viu definitivamente privada de parte da sua parcela.

Se aceitamos a conversão do ato da Autarquia num puro ato expropriativo, muito embora à revelia das regras próprias, temos também de admitir, sob pena de grave injustiça e de consagração do confisco, que a autora tem direito a uma indemnização.

Esta, porém, terá de assentar nos pressupostos que determinam a expropriação (cfr. Artigo 23.º do Código das Expropriações) e não, como no caso presente, partindo do princípio de que a parcela ocupada voltava ao domínio da autora e que os prejuízos desta derivavam apenas da “ocupação ilegítima”.

A justa indemnização só se alcançará, não nos moldes propostos, de puro cálculo baseado na ocupação indevida, mas sim na base da perda definitiva da coisa e tendo por critérios os apontados nos artigos 23.º e seguintes do Código das Expropriações.

(...).»

 

22. Em 22 de Julho de 2008 a Requerente apresentou um pedido de aclaração do acórdão do Supremo Tribunal relativamente à legalidade da aquisição pela Câmara Municipal, do direito de propriedade sobre o terreno em causa e à natureza da indemnização a que teria direito.

23. Por acórdão de 23 de Setembro de 2008, levado ao conhecimento da Requerente em 29 de Setembro de 2008, o Supremo Tribunal precisou ter considerado que a Câmara Municipal havia tomado posse do terreno litigioso na sequência de uma situação de facto e não por força de uma disposição legal. No que respeita ao direito a indemnização da requerente, o Supremo Tribunal exprimiu-se do modo seguinte:

«Relativamente às condições da indemnização, pode dizer-se que a indemnização que era reclamada no caso, partia do princípio segundo o qual o terreno litigioso seria restituído à Requerente. Tal não podendo acontecer, a Requerente deverá então, se ela considerar ter direito a uma outra forma de indemnização (efetiva ou complementar) que a determinada segundo o Código das Expropriações, procurar exercer os seus eventuais direitos.»

 

II. O DIREITO INTERNO PERTINENTE

A. A competência dos tribunais administrativos e fiscais

24. No momento da propositura da ação administrativa, o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais era regido pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril de 1984, o qual, nas suas partes pertinentes dispunha:

 

 

Artigo 3.º

Função jurisdicional

“Incumbe aos tribunais administrativos e fiscais na administração da justiça, assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, reprimir a violação da legalidade e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados no âmbito das relações jurídicas administrativas e fiscais”.

ARTIGO 4.º

(Limites da jurisdição)

“1 – Estão excluídos da jurisdição administrativa e fiscal os recursos e as acções que tenham por objecto:

(...)

f) Questões de direito privado, ainda que qualquer das partes seja pessoa de direito público;

(...)”

 

25. O Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril de 1984, foi revogado pela Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro de 2002, que aprovou o novo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Esta Lei entrou em vigor em 19 de Fevereiro de 2003. Foi alterada pela Lei n.º 4-A/2003 de 19 de Fevereiro de 2003, pela Lei n.º 107-D/2003, de 31 de Dezembro de 2003 e pela Lei n.º 52/2008 de 28 de Agosto de 2008.

26. O artigo 4.º da Lei n.º 13/2002, de 19 de Fevereiro, dispõe:

Artigo 4.º

Âmbito da jurisdição

“1 - Compete aos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal a apreciação de litígios que tenham nomeadamente por objeto:

(...)
g) Questões em que, nos termos da lei, haja lugar a responsabilidade civil extracontratual das pessoas coletivas de direito público, incluindo a resultante do exercício da função jurisdicional e da função legislativa;

(...)”

 

B. A responsabilidade civil extracontratual do Estado

27. A responsabilidade civil extracontratual do Estado foi sucessivamente regida pelo Decreto-Lei n.º 48051, de 21 Novembro de 1967 e, a partir de 1 de Fevereiro de 2008, pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.

28. Tanto este último diploma quanto o anterior dispunham que são considerados ilícitos os atos jurídicos que infringem as normas legais e regulamentares ou os princípios gerais geralmente aplicáveis.


29. As disposições pertinentes da Lei n.º 67/2007 estipulam:

Artigo 1.º

Âmbito de aplicação

“1 — A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas coletivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege -se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial.

2 — Para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função administrativa as ações e omissões adotadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo. (...)”

 

Artigo 3.º

Obrigação de indemnizar

“1 - Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
2 - A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.

3 - A responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito”.

 

Artigo 5.º

Prescrição

“O direito à indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado, das demais pessoas coletivas de direito público e dos titulares dos respetivos órgãos, funcionários e agentes bem como o direito de regresso prescrevem nos termos do artigo 498.º do Código Civil, sendo-lhes aplicável o disposto no mesmo Código em matéria de suspensão e interrupção da prescrição”.

 

Artigo 7.º

Responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas coletivas de direito público

“1 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.

(...)
3 - O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da ação ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.

4 - Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma atuação suscetível de evitar os danos produzidos”.

 

Artigo 9.º

Ilicitude

“1 - Consideram-se ilícitas as ações ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objetivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”.

 

C. O Código das Expropriações

30. Os artigos 23 e 24 do Código das Expropriações incidem sobre o direito à indemnização na sequência de expropriação por causa de utilidade pública. Estas disposições sofreram várias modificações no decurso do período considerado no caso. Na sua versão atualmente em vigor (bem como no momento em que foi proferido o acórdão do Supremo Tribunal de 24 de Junho de 2008), dispõem:

 

Artigo 23.º

Justa indemnização

“1 - A justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efetivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data.

2 - Na determinação do valor dos bens expropriados não pode tomar-se em consideração a mais-valia que resultar:

a) Da própria declaração de utilidade pública da expropriação;

b) De obras ou empreendimentos públicos concluídos há menos de cinco anos, no caso de não ter sido liquidado encargo de mais-valia e na medida deste;

c) De benfeitorias voluptuárias ou úteis ulteriores à notificação a que se refere o n.º 5 do artigo 10.º;

d) De informações de viabilidade, licenças ou autorizações administrativas requeridas ulteriormente à notificação a que se refere o n.º 5 do artigo 10.º

3 - Na fixação da justa indemnização não são considerados quaisquer fatores, circunstâncias ou situações criadas com o propósito de aumentar o valor da indemnização”.

(...)

 

Artigo 24.º

Cálculo do montante da indemnização

“1 - O montante da indemnização calcula-se com referência à data da declaração de utilidade pública, sendo atualizado à data da decisão final do processo de acordo com a evolução do índice de preços no consumidor, com exclusão da habitação”.

(...)

 

D. Outras disposições pertinentes

31. As disposições pertinentes do Código Civil rezam:

Artigo 498.º

(Prescrição)

“1. O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.

(...)

4. A prescrição do direito de indemnização não importa prescrição da ação de reivindicação nem da ação de restituição por enriquecimento sem causa, se houver lugar a uma ou a outra”.

 

 

Artigo 562.º[1]

(Princípio geral)

“Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga á reparação.”

 

 

«Artigo 566.º

(Indemnização em dinheiro)

“1. A indemnização é fixada em dinheiro, sempre que a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor.

2. Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.

3. Se não puder ser averiguado o valor exato dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.».

 

 

32. O artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa dispõe:

«Artigo 62.º

Direito de propriedade privada

“1. A todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição.

2. A requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efetuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização.»

 

 

 

O DIREITO

I. SOBRE A ALEGADA VIOLAÇÃO DO ARTIGO 1 DO PROTOCOLO N.º 1

33. A requerente alega ter sido vítima de uma privação de propriedade contrária ao artigo 1.º do Protocolo n.º 1, assim redigido:

«Qualquer pessoa singular ou coletiva tem direito ao respeito dos seus bens. Ninguém pode ser privado do que é sua propriedade a não ser por utilidade pública e nas condições previstas pela lei e pelos princípios gerais do direito internacional.

As condições precedentes entendem-se sem prejuízo do direito que os Estados possuem de pôr em vigor as leis que julguem necessárias para a regulamentação do uso dos bens, de acordo com o interesse geral, ou para assegurar o pagamento de impostos ou outras contribuições ou de multas.»

 

34. O Governo opõe-se a esta tese.

 

A. Da admissibilidade

1. Os argumentos das partes

a. O Governo

35. O Governo levanta uma exceção consistente no não esgotamento das vias de recurso internas, com dois fundamentos.

36. Por uma parte, alega que a Requerente deveria ter interposto um recurso para o Tribunal Constitucional invocando que o reconhecimento pelo Supremo Tribunal de uma expropriação de facto sem atribuição de uma indemnização seria contrária ao artigo 62.º, § 2, da Constituição.

37. Por outro lado, considera que a Requerente deveria ter instaurado, na sequência dos acórdãos de 24 de Junho e de 23 de Setembro de 2008, do Supremo Tribunal, uma ação de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado nos tribunais administrativos. O Governo afirma que o facto de os tribunais administrativos terem declinado a sua competência aquando do processo instaurado pela Requerente em 10 de Julho de 1998 não tem consequências para este efeito, uma vez que a Requerente não pediu, naquela altura, indemnização. Em apoio da sua tese, invoca um acórdão do Supremo Tribunal de 11 de Outubro de 2005, que reconheceu:

“(...) A nova lei sobre o Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais , Lei n.º 13/02 de 19 de Fevereiro de 2002, não deixa margem para dúvidas quanto ao objetivo pretendido pelo legislador (...).

(...) Todos os litígios emergentes de ação da Administração Pública que implique a responsabilidade extracontratual de pessoas coletivas de direito público relevam assim da competência dos tribunais administrativos”.

 

38. Para o Governo, os tribunais administrativos declararam-se incompetentes no primeiro processo em razão da natureza do pedido formulado pela Requerente, a saber, o reconhecimento do seu direito de propriedade e a demolição das obras empreendidas pela Câmara. Salienta que a questão que hoje se coloca é a da atribuição de uma indemnização a quem de direito.

39. O Governo entende que um novo pedido da requerente perante os tribunais administrativas não se depararia, em princípio, com a prescrição; contudo, a supor-se que tal sucederia, a Requerente apenas se poderia queixar de si própria na medida em que já deveria ter apresentado um tal pedido.

b. A Requerente

40. A Requerente contesta estes argumentos.

41. Afirma só ter tomado conhecimento das obras litigiosas em 1994, tendo tentado uma resolução amigável do caso junto da Câmara Municipal de Oeiras até à propositura da primeira ação, em Julho de 1998.

42. Considera que seria exagerado pedir-lhe para recorrer, de novo, aos tribunais uma vez que já instaurou dois processos no plano interno.

43. Sustenta que o recurso diante do Tribunal Constitucional não era viável na medida em que ela não tinha suscitado nenhuma inconstitucionalidade normativa no decurso do processo de natureza civil, e que a questão da expropriação de facto só surgiu, no caso, com a decisão do Supremo Tribunal.

44. Quanto à ação de responsabilidade civil extracontratual, a Requerente indica que os tribunais administrativos já se declararam incompetentes em razão da matéria. Além do mais, entende que se depararia com a prescrição do seu direito à indemnização, nos termos do art.º 498.º do Código Civil.

45. Para concluir, a Requerente sublinha que o Supremo Tribunal deveria ter também decidido, segundo dispõe o art.º 566.º do Código Civil, sobre a indemnização a conceder, na medida em que reconheceu já não ser possível a entrega do terreno litigioso. Entende que o Supremo Tribunal podia ter reenviado o processo aos tribunais inferiores, para este efeito, caso não se considerasse em condições de o fazer.

 

2. A apreciação do Tribunal

46. O Governo entende que a Requerente teria podido impugnar os acórdãos de 24 de Junho e de 23 de Setembro de 2008, do Supremo Tribunal, através de um recurso de inconstitucionalidade diante do Tribunal Constitucional, alegando que o reconhecimento de uma expropriação de facto sem atribuição de uma indemnização seria contrária ao artigo 62 § 2 da Constituição. O Tribunal (Europeu) observa, contudo, que o recurso constitucional em Portugal só pode respeitar a uma disposição “normativa” e não a uma decisão judicial (Colaço Mestre e SIC – Sociedade Independente de Comunicação, S.A. c. Portugal (dec.), n.os 11182/03 e 11319/03 http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-78001). Por conseguinte, este recurso não era de natureza a remediar a queixa da Requerente perante o Tribunal. A primeira vertente da exceção do Governo revela-se, assim, sem fundamento.

47. O Governo faz valer em seguida, que nada impede a Requerente de recorrer de novo aos tribunais administrativos, intentando uma ação de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado com vista a obter uma indemnização pela expropriação ilegal do seu terreno, tal como entendeu o Supremo tribunal. O Tribunal Europeu entende que a segunda vertente da exceção consistente no não esgotamento das vias de recurso internas, deduzida pelo Governo, está estritamente ligada à substância da queixa fundada sobre o artigo 1º, do Protocolo n.º 1, de modo que há que juntá-la à apreciação sobre o mérito (ver mutatis mutandis, De Sciscio c. Itália, n.º 176/04 http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-75128, §53, de 20 de Abril de 2006, e Burghelea c. Roménia, n.º 26985/03, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-90903 § 31, 27 de Janeiro de 2009).

48. O Tribunal constata, por outro lado, que a queixa não está manifestamente mal fundada no sentido do artigo 35.º § 3 (a) da Convenção. O Tribunal releva, aliás, que não existe nenhum outro fundamento de inadmissibilidade. Há assim que declarar a queixa admissível.

 

 

B. Do mérito

49. A Requerente queixa-se de ter perdido a disponibilidade total do seu terreno sem uma ordem de expropriação nem indemnização, de tal modo que, em substância, teria existido uma expropriação de facto, que vai contra os princípios enunciados pelo Artigo 1.º do Protocolo n.º 1 à Convenção.

50. O Governo entende que não houve violação do artigo 1.º do Protocolo n.º 1 à Convenção na medida em que a Requerente tem direito a uma indemnização em razão da expropriação de facto do seu terreno, indemnização que ela deve reclamar nos tribunais administrativos, tal como indicado pelos acórdãos do Supremo Tribunal de 24 de Junho e de 23 de Setembro de 2008.

51. O Tribunal Europeu recorda que, segundo a sua jurisprudência, o
artigo 1.º do Protocolo n.º 1, que garante em substância o direito de propriedade,
contém três normas distintas (ver nomeadamente, James e outros c. Reino-Unido,
21 de Fevereiro de 1986, § 37, Série A, n.º 98 http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-57507 ): a primeira, que se exprime na primeira frase da primeira alínea e reveste um carácter geral, enuncia o princípio do respeito da propriedade; a segunda constando da segunda frase da mesma alínea, visa a privação da propriedade e submete-a a determinadas condições; quanto à terceira, constante da segunda alínea, reconhece aos Estados contratantes o poder, entre outros, de regulamentar o uso dos bens de acordo com o interesse geral.
As segunda e terceira normas, que se referem a exemplos específicos de
ofensas ao direito de propriedade, devem interpretar-se à luz do princípio
consagrado pela primeira (Bruncrona c. Finlândia, n.º 41673/98, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-67454, §§ 65-69, 16 de Novembro de 2004, Broniowski c. Polónia [GC], n.º 34043/96, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-61828, § 134, TEDH 2004-V e Depalle c. Franca [GC], n.º 34044/02, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-97976 §77, TEDH 2010).

 

1) Sobre a existência de uma ingerência

52. O Tribunal recorda que, para determinar se houve privação de
bens no sentido da segunda “norma”, há, não só que examinar se houve
desapossamento ou expropriação formal, mas ainda olhar para além das aparências e analisar a realidade da situação litigiosa. Visando a Convenção a proteção
de direitos “concretos e efetivos”, importa indagar se a dita situação equivalia a uma expropriação de facto (Brumarescu c. Roménia [GC], n.º 28342/95, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-62891, § 76, TEDH 1999-VII; Spörrong e Lönnroth c. Suécia, 23 de Setembro de 1982, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-57580, §§ 63 e 69-74, Série A, n.º 52).

53. No caso, o Tribunal nota que as partes estão de acordo em dizer que existiu “privação de propriedade” em razão da existência de uma expropriação de facto. O Tribunal releva que o Supremo Tribunal reconheceu igualmente que a Câmara Municipal de Oeiras se apropriou do terreno da Requerente por motivo de utilidade pública, sem todavia conceder qualquer indemnização.

54. A existência de uma ingerência no direito ao respeito dos bens da Requerente é, assim, incontestável.

2) Sobre o respeito do princípio da legalidade

55. Para ser compatível com o artigo 1.º do Protocolo n.º 1, uma tal ingerência deve ocorrer “por utilidade pública” e “nas condições previstas pela lei e os princípios gerais de direito internacional”: deve conciliar um “justo equilíbrio” entre as exigências do interesse geral da comunidade e os imperativos da salvaguarda dos direitos fundamentais de indivíduo (Spörrong e Lönnroth supracitado, § 69), entendendo-se que a necessidade de examinar a questão do justo equilíbrio apenas se faz sentir
“quando se tenha verificado que a ingerência litigiosa respeitou o princípio da legalidade e não foi arbitrária” (Iatridis c. Grécia [GC], n.º 31107/96, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-58227, § 58, TEDH 1999-II e Beyeler c. Itália [GC], n.º 33202/96, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-58832, § 107, TEDH 2000 – I).

56. Sendo a preeminência do direito, um dos princípios fundamentais de uma sociedade democrática, inerente ao conjunto da Convenção (Iatridis, supracitado, § 58), o artigo 1º do Protocolo n.º 1 exige, antes de mais e sobre tudo, que a ingerência da autoridade pública no gozo do direito ao respeito dos bens seja legal.

57. No caso, o Tribunal verifica que a Câmara Municipal de Oeiras se apropriou do terreno da Requerente desprezando as regras que regem a expropriação formal e sem lhe pagar qualquer indemnização a este título.

58. O Tribunal releva que a Requerente instaurou dois processos no plano interno, um nos tribunais administrativos e o outro nos tribunais judiciais, visando os dois o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre o terreno litigioso, a restituição deste limpo de qualquer obra e a concessão de indemnização pelos prejuízos sofridos devidos a esta ocupação ilegal.

59. O Tribunal observa que o recurso diante do Tribunal Administrativo de Lisboa foi declarado inadmissível por incompetência ratione materiae do tribunal, com base no fundamento segundo o qual o caso respeitava a um litígio privado, a saber, ao direito de propriedade, nos termos do artigo 4.º § 1 f) do Decreto-Lei n.º 129/84 de 27 de Abril relativo ao Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

60. Quanto ao processo do Tribunal de Oeiras, o Tribunal nota que, nos acórdãos de 24 de Junho e de 23 de Setembro de 2008, o Supremo Tribunal reconheceu que a Administração tinha ocupado o terreno da Requerente sem que tivesse havido um processo de expropriação nas condições previstas pela lei, entendendo que esta última tinha direito a uma indemnização em razão da expropriação de facto do terreno litigioso. Com efeito, o Supremo tribunal julgou que já não era possível restituir o terreno à Requerente no seu estado inicial pois a privação de propriedade em causa prosseguia uma finalidade social (ver supra, parágrafo 21).

61. O Tribunal deduz que, pelos acórdãos de 24 de Junho e de 23 de Setembro de 2008, o Supremo Tribunal assumiu a existência de uma expropriação de facto, sem todavia atribuir uma indemnização, infirmando assim a sentença que havia sido proferida pelas instâncias inferiores (ver supra parágrafos 17 e 19). No caso, o Supremo Tribunal convidou a Requerente a recorrer aos tribunais administrativos através de uma ação de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado por atos ilícitos.

62. No caso Sarica e Dilaver c. Turquia (n.º 11765/05, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-98874 ,§§43-44, 27 de Maio de 2010), o Tribunal considerou que a verificação de uma expropriação de facto, seguida, diferentemente do que sucedeu no caso em apreço, da concessão de uma indemnização pelos tribunais nacionais, tinha consagrado juridicamente uma situação irregular, voluntariamente criada pela Administração, permitindo a esta retirar benefício do seu comportamento ilegal. Entendeu que esta prática obrigava os cidadãos a instaurar uma ação indemnizatória e, destarte, a assumir despesas com o processo para fazer valer os seus direitos, apesar de, em matéria de expropriação formal, o processo ser desencadeado pela Administração expropriante, que deve em princípio suportar as despesas judiciais na falta de resolução amigável. O Tribunal julgou que este modo de proceder expunha os cidadãos ao perigo de um resultado imprevisível e arbitrário e que não era apto a assegurar um grau suficiente de segurança jurídica nem poderia constituir uma alternativa a uma expropriação segundo as vias e a forma legal (Scordino c. Itália (n.º 3), n. 43662/98, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-69053, § 89, 17 de Maio de 2005).

63. O Tribunal julgou também, em diversas ocasiões, que a perda de toda a disponibilidade de um terreno, combinada com a impossibilidade de reverter a situação em causa ou de a remediar, gera consequências bastante graves ao fazer sofrer aos requerentes uma expropriação de facto incompatível com o direito ao respeito dos seus bens e que não é conforme o princípio da preeminência do direito (Guiso-Gallisay c. Itália, n.º 58858/00, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-71550, § 94, 8 de Dezembro de 2005; Lanteri c. Itália, n.º 56578/00, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-71076 , § 80, 15 de Novembro de 2005; Preziosi c. Itália, n.º 67125/01, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-77218 , §§ 44-45, de 5 de Outubro de 2006, Matthias e outros c. Itália, n.º 35174703, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-77811 , § 62, 2 de Novembro de 2006; Immobiliare Podere Trieste, S.r.l. c. Itália, n.º 19041/04, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-78072 , §§ 43-44, 16 de Novembro de 2006).

64. No caso, ao reenviar a Requerente para os tribunais administrativos, o Supremo Tribunal afastou os acórdãos das instâncias inferiores que haviam dado razão à pretensão da Requerente ao condenarem a Câmara Municipal de Oeiras a pagar-lhe uma indemnização. Nesta data, a Requerente ainda não obteve uma justa indemnização pelos prejuízos sofridos em razão do ato ilícito que três instâncias nacionais, sucessivamente reconheceram. O Tribunal entende que o argumento que justifica o reenvio aos tribunais administrativos, segundo o qual uma justa indemnização não poderia ser obtida pela forma de cálculo proposto pela Requerente sofre de um excessivo formalismo. Além do mais, isso obrigaria a Requerente a propor uma nova ação indemnizatória e, assim, a assumir despesas judiciais acrescidas para fazer valer o seu direito, sem nenhuma garantia quanto às possibilidades de êxito da ação de responsabilidade civil extracontratual (Sarica e Dilaver, supracitado, § 44, Guillemin c. Franca, n.º 19632/92, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-62578, § 50, 21 de Fevereiro de 2007). Convém ainda ter em conta as disposições e a prática internas em matéria de prescrição (parágrafos 29 e 31 supra), as quais tornam incerto o resultado de uma tal ação, introduzida vários anos após a ocupação do terreno. Visto
que a expropriação de facto teve lugar em 1991 e que a Requerente instaurou o primeiro processo em 1998, não seria razoável esperar pelo resultado de um terceiro
processo (Serrilli c. Itália (satisfação equitativa), n.º 77822/01, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-87525, § 17, 17 de Julho de 2008; Matthias e outros c. Itália (satisfação equitativa), n.º 35174/03, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-112192, § 14, 17 de Julho de 2012).

65. Enfim, o Governo não demonstra em que medida um tal recurso poderia ser eficaz, suficiente e acessível, e não fornece nenhum exemplo de jurisprudência relativa a este tipo de situação.

66. Tendo em conta as observações acima referidas, relativas à falta de “previsibilidade” na qual a Requerente se encontra por ato das autoridades, o Tribunal não pode censurar que esta não tenha tentado, após um tão longo período, a propositura de uma ação de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado a fim de obter reparação.

67. Na ausência de um ato formal de transferência da propriedade, o Tribunal entende, além do mais, que a situação da Requerente não pode ser considerada como “previsível” e como correspondendo às exigências de “segurança jurídica” (ver, mutatis mutandis, Burghelea, supracitado, § 39); a ingerência litigiosa não é compatível com o princípio da legalidade e, por conseguinte, infringiu o direito da Requerente ao respeito dos seus bens. Uma tal conclusão dispensa o Tribunal de ponderar se um justo equilíbrio foi mantido entre as exigências do interesse geral da comunidade e os imperativos de salvaguarda dos direitos individuais.

68. O Tribunal rejeita, assim, a exceção consistente no não esgotamento das vias de recurso internas e diz que houve violação do artigo 1.º do Protocolo n.º 1 à Convenção.

 

II. SOBRE A APLICAÇÃO DO ARTIGO 41.º DA CONVENÇÃO

69. Nos termos do artigo 41.º da Convenção

“Se o Tribunal declarar que houve violação da Convenção ou dos seus protocolos e se o direito interno da Alta Parte Contratante não permitir senão imperfeitamente obviar às consequências de tal violação, o Tribunal atribuirá à parte lesada uma reparação razoável se necessário”.

70. A requerente reclama a título do prejuízo material que teria sofrido,
3 733 811,14 Euros (EUR), correspondendo este montante à soma do valor do terreno em 2009, ou seja, à data da introdução da queixa (2 739 801,89 EUR) com o prejuízo pela ocupação ilegal do terreno entre 1994 e 2009 (994 009,25 EUR).

71. A Requerente pede ainda 100 000 EUR pelas custas e despesas feitas nos tribunais nacionais e perante o Tribunal.

72. O Governo opõe-se ao pedido da Requerente. Entende que o prejuízo material não está demonstrado e que o montante reclamado é exagerado. Considera também que as custas e despesas não estão fixadas.

73. O Tribunal entende que nas circunstâncias da causa, a questão da
aplicação do artigo 41.º não se encontra suficientemente instruída. Vista a
violação do artigo 1.º do Protocolo 1 e a ocupação irreversível do terreno, o
Tribunal considera que a melhor forma de reparação consiste no pagamento, pelo Estado, de uma indemnização pelo dano material sofrido. Recorda que no caso
Guiso-Gallisay c. Itália (satisfação equitativa) [GC], n.º 58858/00, http://hudoc.echr.coe.int/sites/eng/pages/search.aspx?i=001-96496, 22 de Dezembro de 2009, a Grande Chambre julgou oportuno rever a jurisprudência Papamichalopoulos e outros c. Grécia (artigo 50.º), 31 de Outubro de 995, Série A, n.º 330-B, adotando uma nova abordagem quanto aos critérios de indemnização nos casos de “expropriação indireta”. Considerou, assim, que a indemnização deve corresponder ao valor pleno e integral do terreno no momento da perda da propriedade tal como estabelecido pela perícia determinada pelo tribunal competente no decurso do processo interno. A seguir, uma vez deduzido o montante eventualmente concedido no plano nacional, este montante deve ser atualizado para compensar os efeitos da inflação. Convém também dotá-lo de juros suscetíveis de compensar, pelo menos em parte, o longo período de tempo decorrido desde o desapossamento dos terrenos.

74. No entanto, não tendo as partes fornecido informações precisas sobre o valor do terreno em causa, reserva-se a questão e fixa-se um prazo de seis meses a contar da data do presente acórdão para o procedimento ulterior, tendo em conta a eventualidade de um acordo entre o Estado requerido e a Requerente (artigo 75.º § 1 do Regulamento).

 

COM ESTES FUNDAMENTOS, O TRIBUNAL, POR UNANIMIDADE,

1. Junta ao mérito a exceção do Governo relativa a uma ação de responsabilidade civil extracontratual contra o Estado nos tribunais administrativos e rejeita-a;

2. Declara a queixa admissível;

3. Diz que houve violação do artigo 1.º do Protocolo n.º 1 à Convenção;

4. Diz que a questão da aplicação do artigo 41.º da Convenção não se encontra suficientemente instruída, e em consequência:

 a) reserva-a;

 b) convida o Governo e a Requerente a dirigirem-lhe por escrito, no prazo de seis meses a contar da data da notificação do presente Acórdão, as suas observações sobre esta questão, e nomeadamente a dar-lhe conhecimento de qualquer acordo posterior a que possam chegar;

 c) reserva o processo ulterior e delega no Presidente desta Secção a sua determinação, se necessário.

Feito em francês e comunicado por escrito em 16 de Abril de 2013, em aplicação do artigo 77.º §§ 2 e 3 do Regulamento.

 

Stanley Naismith, Greffier

Guido Raimondi, Presidente


  1. Por lapso, no texto em francês refere-se o artigo 563.º